Crítica | Projeto Gemini – Will Smith no Smithverso

Projeto Gemini

Experimentando com o potencial tecnológico disponível, Ang Lee cria um belo espetáculo visual com grandiosas e épicas sequências de ação. Por outro lado, o péssimo roteiro não condiz com o trabalho do diretor e um esforçado Will Smith.

Antes do Filme

Desde que declarou sua opinião sobre os filmes da Marvel, o diretor Martin Scorsese gerou uma forte discussão na internet. Para o responsável por longas como Táxi Driver e Ilha do Medo, aquile universo estaria mais próximo de parques temáticos do que de cinema. Não entrando no mérito da afirmação de um dos maiores cineastas da história, mas o novo filme de Ang Lee (O Tigre e o Dragão, As Aventuras de Pi), Projeto Gemini, se encaixa perfeitamente nessa descrição. Todavia, não necessariamente isso é algo ruim.

A tecnologia de Projeto Gemini

Primeiramente, é preciso entender que Projeto Gemini está intimamente ligado a sua tecnologia. Mais do que isso, ele serve a inovação tecnológica, e não o contrário. Há quem discorde, mas não é nenhum demérito usar uma história apenas como pano de fundo para explorar os limites da inventividade humana. Afinal, desde as origens do cinema isso é feito, como o lendário diretor George Mèlies, que usava técnicas de justaposição e edição para criar ilusões de ótica na década de 1910.

No caso de Projeto Gemini, estamos falando de um filme que usa uma tecnologia de 120 frames por segundo — normalmente são 24 e, quanto mais frames, mais natural parece o movimento na tela — e um 3D de alta qualidade. Não menos importante, seu principal chamariz são os efeitos especiais que permitem o rejuvenescimento de Will Smith. Portanto, fica o aviso de que o novo longa de Ang Lee, caso não seja assistido na melhor sala de cinema possível, perde 80% de sua experiência e imersividade. Obviamente, isso pode gerar inúmeros questionamentos, principalmente porque soa como excludente e elitista — inclusive, o Brasil converte 120fps para 60fps, por ser o máximo suportado nas salas — mas cabe aqui apenas analisar a obra dentro do que o diretor propôs em sua idealização, e não como ela funcionaria em uma projeção 2D.

Enredo e Trama 

Quando o assassino profissional Henry Brodgan (Will Smith, Esquadrão Suicida) acredita ter realizado seu último trabalho para o governo norte-americano — estando pronto para uma aposentadoria repleta de pescaria — uma conspiração chega até ele. Sua última vítima, que fora identificada propositalmente como terrorista, era, na verdade, um cientista desertor da companhia paramilitar Gemini, comandada por seu antigo colega Clay Verris (Clive Owen, Filhos da Esperança). Enquanto procura descobrir o que aconteceu, juntamente com Danny (Mary Elizabeth Winstead, Scott Pilgrim Contra o Mundo), um clone de sua versão mais nova parte em uma caçada mortal contra ele.

Logo quando Projeto Gemini começa, seu exagero toma conta e não há como exigir algo diferente posteriormente. Um trem estupidamente rápido (graças ao 120fps) atravessa a tela em um plano fisheye. Momentos depois, Henry realiza um tiro certeiro em seu alvo, que viajava a mais de 200km/h. É justamente nas cenas de ação (ou nas belíssimas cenas aquáticas) que a tecnologia 120fps fica mais perceptível ao olho humano. Desde a perseguição de moto até as explosões monstruosas e infinitos tiros de uma metralhadora, tudo parece ser extremamente acelerado — o que acaba por gerar um paradoxo nas cenas de diálogo, pois sua lentidão contrasta com a parte visual.

Não só pelo uso da tecnologia, mas a direção de Lee nessas sequências merece créditos. Quando o protagonista encontra seu clone pela primeira vez, o diretor antecipa brilhantemente o momento pela mise-en-scène. Poças de água e espelhos retrovisores de carro mostram reflexos do perseguidor antes de Henry finalmente ver seu rosto. Todos esses artifícios potencializam a perseguição de Cartagena, que culmina em uma das melhores perseguições da década, com longos planos e explosões que lembram Filhos da Esperança até corridas de moto à la Missão Impossível ou piruetas absurdas que remetem a seu próprio filme O Tigre e o Dragão. Somado a isso, o diretor chinês também alterna para planos em primeira pessoa, trazendo uma estética de videogame, amplificando a presença indireta de um tom futurista.

Em relação a decupagem das cenas que juntam as duas versões de Henry, Lee mais uma vez demonstra total controle de sua obra. Quando ainda não se conhecem, planos, contraplanos e a baixa profundidade de campo lhes separam. Conforme o avançar da trama, a química entre os dois aumenta e passam a dividir mais a tela, que também é cada vez mais nítida. Neste sentido, o rejuvenescimento de Smith é digno de aplausos. Há estranhamentos visuais aqui e acolá, principalmente em seus lábios, mas seu visual parece diretamente tirado da cápsula do tempo de Um Maluco no Pedaço.

Personagens e Atuações

Entretanto, muito do sucesso e da naturalidade desses efeitos passa pela atuação de Will Smith. Adotando uma malandragem verbal e com uma posição corporal mais relaxada, ele se passa perfeitamente por um jovem confiante. De maneira oposta, a versão real de Henry traz introspecção, paranoia e ressentimento. Acompanhando o protagonista na maior parte da aventura, Mary Elizabeth Winstead chega a mostrar relances de seu potencial físico no primeiro ato, mas o roteiro nunca entrega seu verdadeiro potencial. Outro que auxilia Henry é Baron (Benedict Wong, Doutor Estranho), nada mais do que uma figura caricata e um alívio cômico. Da mesma forma, Clive Owen é o vilão caricatural megalomaníaco, mas o ator abraça bem esse lado clichê do personagem, sempre aparecendo em ambientações e com figurinos de cores mais frias.

Além dos personagens secundários, o calcanhar de aquiles de Projeto Gemini é seu roteiro. Coescrito por diversos nomes — entre eles, David Benioff (criador de Game of Thrones) — os diálogos vomitados beiram o ridículo da exposição e tentativas falhas de tentar soltar qualquer falar de impacto, mas sem sucesso. Em uma das cenas iniciais, Henry diz: “tenho me evitado olhar no espelho”. Em outro momento, ele olha para o clone em um momento de tensão diz: “Você é virgem”. Como se as falas não pudessem soar mais óbvias, há um destaque injustificado ao medo de Henry por água que, apesar de aparecer futuramente, não faz jus ao foreshadowing que recebeu. De mesmo modo, o filme faz um passeio ilógico por diferentes cidades do mundo, incorporadas a trama apenas para mostrar suas respectivas belezas. 

Quanto aos subtextos, todos os clichês sobre clonagem e suas questões éticas estão presentes, sem jamais serem tratados com muita seriedade. Surpreendentemente, a melhor reflexão trazida pelo roteiro é em relação a matança injustificada do protagonista. Em um processo de autoconhecimento, Henry observa suas ações por fora (ao olhar para seu clone, ou melhor, espelho) e reflete sobre suas decisões passadas. Assim, cria-se um antagonismo entre o soldado cumpridor de ordens e “o Sistema”, sendo interessante a maneira que Verris, no confronto final, apareça com a bandeira do país ao seu fundo   

Depois dos Créditos

Experimentando com o potencial tecnológico disponível, Ang Lee cria um belo espetáculo visual com grandiosas e épicas sequências de ação, como a de Bogotá. Por outro lado, seu roteiro e diálogos não condizem com o poder do diretor e um esforçado Will Smith, que ajuda a suavizar o impacto dos efeitos visuais em seu rejuvenescimento, incorporando um espírito jovial. Ainda que não seja um fracasso completo e nem uma obra de arte, toda revolução precisa começar em algum lugar. E talvez Projeto Gemini seja o precursor de uma nova era tecnológica no cinema.

 

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Projeto Gemini

7.5

NOTA

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