Crítica | Encontros – Conexões, fluxos e tecnologia

Encontros

Encontros, do francês Cédric Klapisch, mescla entre o drama e a comédia para contar a história de dois vizinhos que, apesar de não se conhecerem, possuem uma grande semelhança: vivem infelizes no meio de suas rotinas.

Antes do Filme

Viver dentro de uma sociedade moderna significa estar diante de um grande paradoxo. Afinal, ao mesmo tempo que as pessoas estão cada vez mais próximas — proximidade esta proporcionada pela quebra de inúmeras barreiras tecnológicas — elas também vivem isoladas em seus próprios mundos. Compreendendo essa dinâmica, a cena inicial de Encontros identifica bem essa doença moderna. Uma música futurística se intercala com planos de um metrô em rápida velocidade, representando a rotina do constante fluxo e da pressa. Logo após, pessoas de diferentes etnias e gêneros são mostradas no mesmo vagão, espaço de proximidade e enclausuramento. Entretanto, ainda que a proximidade física esteja presente, há uma barreira invisível e cada está fechado em si mesmo. Seja através de um livro, celular ou a perdido nos próprios pensamentos.

Trama e Enredo

A narrativa de Encontros segue essa lógica e se intercala entre a rotina de duas pessoas: Rémy (François Civil, Quem Você Pensa Que Eu Sou), um estoquista de um depósito, e Mélanie (Ana Girardot, Escobar: Paraíso Perdido), uma pesquisadora do câncer. Apesar de serem vizinhos de prédio (e varandas), nunca se encontraram. Conforme a trama avança, mais da solidão de cada um é compreendida e cresce a expectativa para que, em algum momento, eles se cruzem. 

Dirigido pelo francês Cédric Klapisch (Albergue Espanhol), a dinâmica de Encontros funciona muito por conta da edição paralela criada entre a Rémy e Mélanie. Por mais que habitem mundos opostos e lidem com a depressão distintamente, Klapisch cria uma similaridade e padronização nos pequenos detalhes, alimentando uma inconsciente ânsia no espectador para o aguardado encontro. Em particular, a forte presença do azul, tanto no figurino, quanto no cenário, traz este clima morto e introspectivo para ambos. De mesmo modo, o vermelho complementando o azul marca as cenas de Mélanie, pois sua melancolia é graças a uma decepção amorosa.

Outra atenção visual do diretor francês é na maneira como Mélanie e Rémy — assim como os inúmeros trens que passam no filme — seguem a mesma direção em suas caminhadas. Não só isso, mas quando os personagens resolvem seus conflitos, essa movimentação é invertida. Por outro lado, o microcosmos criado por Klapisch é extremamente charmoso e rapidamente transporta o espectador para seu universo. Tanto o gato, quanto o mercado árabe compartilhado pelos dois criam um forte vínculo indireto, justamente pelo fato de que vários elementos são comuns em ambas as histórias.

Personagens e Atuações

Com enfoque na busca dos protagonistas por um sentido na vida, muitas das cenas se passam durante sessões de terapia. Camille Cottin (Aliados) e François Berléand (franquia Carga Explosiva) vivem os psicólogos de Mélanie e Rémy, respectivamente. Inclusive, chega a ser surpreendente o destaque que recebem. Em particular, Berléand senta sozinho em seu escritório e uma ágil montagem traz as últimas palavras ditas por seus pacientes, em um dos momentos mais belos do longa. Essa sequência onírica encaixa-se perfeitamente com a unidade fílmica de Encontros, pois aborda a dialética entre modernidade e seus impactos sociais, dando a entender que nem os profissionais estão dando conta do constante fluxo de problemas trazidos por ela.

Embora tenha uma boa carga dramática, Encontros também é bastante divertido, principalmente porque Rémy é muito deslocado socialmente, além do ótimo timing cômico de seu intérprete. Ainda que tal característica soe exagerada (que jovem adulto vivendo em uma cidade grande não sabe usar rede social?), François Civil traz uma inocência genuína ao personagem, rendendo divertidos episódios, seja a entrevista de emprego ou no encontro com um amigo de infância. Além disso, a relação do protagonista com seu gato é um ótimo artifício do roteiro para mostrar a luta contra a depressão.

Enquanto isso, Mélanie passa a maior parte do tempo em encontros de Tinder, com Girardot reagindo de forma hilária ao fracasso de cada um deles. Mas ela, juntamente com Rémy, possui um background dramático que aos poucos vai sendo revelado — a cena da crise de pânico faz muito mais sentido ao final do filme —, trazendo uma enorme carga dramática ao enredo. Isso permite que Girardot e Civil mostrem uma outra camada, com interpretações emocionantes, que possuem seu auge nas cenas da apresentação do projeto e da última sessão de terapia, respectivamente.

Depois dos Créditos

Sem entrar no âmbito dos spoilers, mas o grande mérito de Encontros é como sua condução cega o espectador, assim como os protagonistas. Afinal, Rémy e Mélanie acreditam a maior parte do tempo que, para se encontrarem, devem achar uma alma gêmea. Todavia, esquecem que é fundamental encontrarem a si mesmo, antes de mais nada. No fim, quando eles possuem esse insight, a catarse chega tanto para eles, quanto para o público, que passa a maior parte do tempo preocupado com o momento que a dupla irá se encontrar. Até por isso, os cinco minutos finais rumam para um caminho clichê e tiram certa parte do impacto da mensagem que Kaplisch queria passar. Mas não é o suficiente para estragar uma divertida e profunda história sobre (des)encontros proporcionados pela celeridade moderna. 

 

Revisão: Raquel Severini

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8.5

NOTA

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