Crítica | Fora de Série

Atriz Beanie Feldstein com a diretora Olivia Wilde em "Fora de Série"

Sem nunca perder sua individualidade e senso de humor, "Fora de Série" é uma ótima opção para as audiências que buscam descansar dos blockbusters da época.

Antes do Filme

Como se vê no filme “Fora de Série” e na vida, o ensino médio é uma época complicada. A tensão com o vestibular, a pressão para se encaixar e o começo de um amadurecimento sexual e emocional. Há alguns que amam essa época e outros que a odeiam, mas ninguém passa por ela sem dificuldade.

Dirigido por Olivia Wilde (a Thirteen de “House”), “Fora de Série” (“Booksmart” no original) é uma comédia que conta a história de Molly (Beanie Feldstein, irmã de Jonah Hill) e Amy (Kaitlyn Dever), duas adolescentes no seu último ano do Ensino Médio. Elas passaram toda a época de colégio focadas apenas em estudar, sem nunca tirar um momento para se divertir. Até que em seu último dia de aula elas decidem correr atrás do tempo perdido.

Trama e Roteiro

Desde a primeira cena do filme, em que Molly medita escutando um discurso empoderador antes de sair para aula, fica claro que “Fora de Série” busca ser mais do que uma comédia besteirol. Suas protagonistas são feministas ferrenhas e alunas dedicadas, que tem na traseira do carro adesivos apoiando a senadora e candidata à presidência americana Elizabeth Warren. Contudo, por trás de toda essa dedicação nos estudos existe uma clara insegurança em relação aos outros. As duas se fecham em sua amizade e fogem do contato com seus colegas. Especialmente Molly, que se esconde (tanto literal quanto figurativamente) atrás de seu moletom da Yale (faculdade de prestígio americana) e se vê acima dos seus colegas.

Quando as duas têm um choque de realidade e se vem forçadas a questionar suas presunções sobre seus colegas, elas decidem aproveitar esse último dia de Ensino Médio como nunca e então começa uma odisseia pela noite de Los Angeles até acharem o endereço de uma determinada festa. O roteiro de “Fora de Série” é um dos pontos altos do filme, afiado e engraçado, ele entende bem as neuroses da vida dos adolescentes e as transporta de maneira honesta e cômica para a tela.

Outro ponto positivo do roteiro é a maneira orgânica que desenvolve seus personagens – com exceção da personagem de Diana Silvers, que tem pouquíssimo tempo de tela para sua importância na história – todos eles agem como pessoas reais e têm problemas de adolescentes comuns. Entretanto, também é no roteiro que o filme dá uma derrapada, afinal, esses adolescentes teoricamente estudam em uma escola pública, mas todos eles vão para faculdades de prestígio, se vestem com roupas caras e dão festa em casarões com piscina, o que não condiz com a realidade da maioria dos jovens nem no Brasil, nem nos Estados Unidos. Não me entenda mal, os personagens de “Fora de Série” são muito bem desenvolvidos, mas a falta de discussão sobre a condição econômica desses personagens contrasta muito com a maneira que o filme lida com o feminismo e outras questões sociais no filme.

A edição do filme é muito ágil, cortando entre cenas, sempre mantendo o ritmo do filme constante, mas de negativo fica que as vezes essa mesma edição se torna um tanto frenética, até um pouco clipada, impedindo o filme de respirar em certos momentos. Essa sensação de clipe musical também acontece em parte pela seleção de músicas, que são todas muito boas (o filme deve ter uma excelente playlist no Spotify!), mas usadas de maneira excessiva, chegando a lembrar um programa da MTV.

Personagens e Atuações

As duas atrizes principais, Kaitliyn Dever e Beanie Feldstein têm uma ótima química juntas e você consegue ver nelas tanto os laços dessa amizade antiga quanto as rachaduras se abrindo nessa relação. Individualmente a atuação de Beanie é bem chamativa. Ela é uma personagem decidida e teimosa e parte do seu arco envolve justamente aprender a ouvir (tanto os outros quanto seus sentimentos). Uma curiosidade é que esse é o segundo filme adolescente de Beanie, o outro sendo “Lady Bird”, no qual ela interpreta a melhor amiga da protagonista.

Já Kaitlyn tem uma personagem mais discreta. A grande questão de Amy é sua timidez, que a impede de falar com a garota que ela gosta. Sim, ela é uma personagem lésbica assumida, mas sua grande questão não é um preconceito sofrido pelos colegas ou ser rejeitada pelos seus pais e sim ter coragem para chamar a garota que gosta para sair. Mesmo tendo uma personagem menos “bombástica” que sua colega Beanie, ela faz uma ótima atuação, aproveitando bem os momentos para extravasar, em especial uma cena em que ela e Beanie comem alguns morangos que não caem tão bem assim…

Outro ponto positivo do filme é seu forte elenco de personagens secundários adultos, como os pais de Amy (interpretados por Will Forte e Lisa Kudrow), o diretor Brown (Jason Sudeikis) e a professora Miss Fine (Jessica Williams). Os atores coadjuvantes jovens também merecem laudas, como Skyler Gisondo, que interpreta o rico e desajeitado Jared, que tem um dos melhores arcos dos coadjuvantes no filme e Billie Lourd, sua amiga tresloucada. Também merece destaque Molly Gordon, que dá uma forte interpretação com uma personagem que bate constantemente com a personagem de Beanie.

Depois dos Créditos

“Fora de Série” é uma grata surpresa da diretora de primeira viagem Olivia Wilde. É uma comédia adolescente com muito humor e coração, que não é condescendente com seus personagens em uma fase da vida em que coisas tão desimportantes parecem a maior coisa do mundo. Eu não duvido que daqui a alguns anos o filme alcance um status cult, devido ao seu roteiro afiado e uma edição que sabe manter a história se desenvolvendo rapidamente sem nunca perder o fio. O maior ponto negativo fica para o uso excessivo de músicas durante o filme e da falta de percepção do roteiro das condições econômicas de seus personagens. Contudo, nada disso é o suficiente para tirar os muitos méritos do filme.

8

NOTA

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