Cena de "Riqueza Tóxica"

Com muita originalidade e boas doses de emoção, "Riqueza Tóxica" é uma ficção cientifica com toques de faroeste (ou um faroeste com toques de ficção cientifica), e uma bela adição ao catálogo da Netflix.

Antes do Filme

Uma mãe já falecida, um pai esforçado, mas com problemas com drogas e uma situação financeira nada favorável. Essa parece a descrição de um drama moderno, urbano, que mostra o lado duro e implacável da vida e critica as condições precárias de trabalho na sociedade, e “Riqueza” Tóxica” (“Prospect” no original) é um filme assim, com um único porém: Ele se passa no espaço, em uma galáxia alienígena não nomeada, mas com questões similares as nossas.

Lançado originalmente no festival South by Southwest (SXSW) de 2018 e estrelando Pedro Pascal, Sophie Thatcher e Jay Duplass. O primeiro filme da dupla Christopher Caldwell e Zeek Earl recebeu o prêmio Adam Yauch Hörnblower por “uma obra inteiramente original, que não se preocupa em se conformar com normas estabelecidas”. O filme conta a história de Cee (Sophie Thatcher) e seu pai Damon (Jay Duplass), um garimpeiro que vai com ela até uma lua inóspita a procura de gemas raras. Lá eles encontram Ezra (Pedro Pascal, o Oberyn Martell em GOT), um andarilho perdido naquela lua, e quando Cee vê que seu pai está cego pela cobiça, ela percebe que vai ter que lutar para encontrar uma maneira de escapar.

Trama e Roteiro

Um dos maiores charmes do filme é toda a sua ambientação. Desde o primeiro momento o filme te vende esse universo sem nunca cair em um didatismo moroso para explicá-lo, a história do filme se passa lá, você sabe as informações relevantes desde o começo (a exploração de recursos de planetas mais afastados, as difíceis condições de vida de um prospectador) e pinça mais algumas informações, mas não há uma muralha de texto ou cena expositiva para te situar, você só é imerso nesse ambiente desde o primeiro segundo. A direção de fotografia é feita por Zeek Earl (um dos diretores do filme) e grande parte das cenas são filmadas em locação, quer dizer, não em outro planeta, mas em uma floresta nos arredores de Seattle. A fauna e o ambiente no planeta que o filme se passa lembram “Aniquilação” e as sequências na encoberta pelo Brilho.

O trabalho com os adereços de cena, as naves e os figurinos, todos feitos práticos, lembram os melhores momentos da franquia “Star Wars” e de “Blade Runner”. Na verdade, não foram poucos os momentos em que pensei que o filme podia se passar em um desses universos, em alguma fronteira esquecida pelas grandes histórias de personagens que salvam galáxias.

Essa intimidade do filme, que busca mais desenvolver a jornada de amadurecimento de Cee e sua relação com Ezra é outra vantagem do filme que, fugindo de grandes sequências de ação e explosões, constrói uma atmosfera intimista nesse mundo perdido nos confins do universo. É nesse senso de distância e exploração que “Riqueza Tóxica” lembra um pouco um faroeste, com personagens buscando pagar suas ambições minerando pedras preciosas, mas cegos pela ambição (a “febre do ouro”, nesse caso, se chama Aurelac). Outro ponto que traz à tona a temática do faroeste é que todos seus personagens são garimpeiros desesperados por encontrar um pouco de Aurelac, mercenários ou nativos (como os Saters, garimpeiros e colonos que decidiram viver da terra).

Mais um ponto positivo do filme é sua trilha sonora, composta por Daniel L.K. Caldwell, que aproveita bem os silêncios do filme e sabe passar tanto uma sensação de contemplação frente esse planeta da fronteira ainda não destruído pela riqueza humana, quanto uma sensação de mistério, tanto para o espectador, que não conhece os causos e as regras desse universo, quanto para Cee, que é posta em uma situação que nunca esteve antes e tem que amadurecer.

Personagens e Atuações

A novata Sophie Thatcher interpreta Cee, a protagonista do filme, e faz uma bela interpretação, trabalhando muito com os movimentos corporais e reações faciais, visto que a personagem não fala muito. Na verdade, o único personagem verborrágico é o Ezra de Pedro Pascal, um canalha empostado com uma veia Shakespeariana. Também é muito interessante a forma com que o roteiro trabalha os diálogos pois ele dá um enfoque grande a comunicação corporal em detrimento a fala, algo que faz sentido tanto pelo ambiente brutal do planeta, que faz com que todos usem trajes de proteção do lado de fora, o que diminui a chance de falas, mas aumenta a necessidade de “sinais” expressivos, quanto pela dificuldade dos personagens de conversar entre si. Todos eles carregam traumas passados, já foram renegados ou perderam pessoas importantes em suas vidas e é perceptível a reticência deles em começar conversas com estranhos.

O único personagem que foge desse molde é Ezra, interpretado por Pedro Pascal como um gatuno astuto, resoluto a sobreviver diante das intempéries, mas que não abandona seu código moral para isso. É curioso ver o seu contraste em relação aos outros personagens do filme, com um jeito falastrão que claramente guarda mágoas e o faz parecer mais culto do que alguém em sua condição de vida realmente o é.

Último destaque nas atuações vai para Jay Duplass, diretor de filmes independentes que ocasionalmente aparece como ator, como é o caso em “Riqueza Tóxica”, em que ele interpreta Damon, pai de Cee. Em uma sólida interpretação, Duplass consegue mostrar tanto um lado mais paterno, protetor e que mantêm segredos da filha, quanto um lado mais real dele: Um homem falido, mascarando isso com drogas e a beira do seu fim.

Depois dos Créditos

Por fim, “Riqueza Tóxica” é um filme que merece destaque pelo seu trabalho ao equilibrar diferentes gêneros cinematográficos (como o Sci-fi e o Western) permitindo que eles se complementem de uma maneira muito interessante. Outro ponto positivo da película é a exatidão que eles procuram dar ao universo e a viagem espacial, desenvolvendo com minúcia os uniformes, as naves e até as técnicas de garimpo de Aurelac, o que traz uma grande imersão nesse imenso universo desconhecido.

Talvez a maior ressalva ao filme seja que há certos momentos em que o roteiro parece se arrastar, como se ele não soubesse como avançar a história e os conflitos de maneira mais ágil. Contudo isso não tira os pontos positivos do filme, como suas atuações, fotografia e construção de mundo e a maneira original e criativa que esse universo nos é apresentado e a história se desenrola.

8.5

NOTA

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