Crítica | Doutor Sono – A harmonia entre Kubrick e King

Doutor Sono

Com elementos de King e Kubrick, Mike Flanagan entrega uma sólida sequência para O Iluminado, que também funciona muito bem por conta própria.

Antes do Filme

Quando o gênio Stanley Kubrick fez O Iluminado, em 1980, a recepção não foi das melhores. Primeiramente, o escritor Stephen King não gostou da adaptação. De mesmo modo, a crítica da época também não foi muito amistosa. Aliás, o filme até foi indicado a uma Framboesa de Ouro (o oposto do Oscar)!  Felizmente, o tempo passou e, hoje, a obra de Kubrick possui seu lugar na história. Além de ser considerado um dos maiores filmes de todos os tempos, a atuação de Jack Nicholson está entre uma das maiores performances do século passado. 

Enredo e Trama

Seguindo os acontecimentos de O Iluminado, Doutor Sono (baseado no livro de King escrito em 2003), começa de onde a história parou. Danny Torrance (Jacob Tremblay na infância e Ewan McGregor na fase adulta) foi viver com sua mãe na Flórida e procura esquecer os acontecimentos do Hotel Overlook, apesar dos fantasmas ainda assombrarem seus sonhos. Paralelamente a isso, a misteriosa Rose (Rebecca Ferguson), líder de um estranho culto, vai atrás da menina Andi (Emily Alyn Lind), que possui poderes telecinéticos.

Anos se passam e Danny (chamado agora de Dan) se torna um adulto. Ele vive em uma pequena cidade lutando contra o alcoolismo e trabalhando em um hospício. Todavia, a jovem Abra (Kyliegh Stone) corre perigo e faz contato mentalmente com ele. Assim como Dan, ela é uma “iluminada” — a versão mais próxima de um super-herói de Stephen King — e está sendo perseguida pelo culto de Rose. Isso acontece, pois o grupo de quase-imortais se alimenta do vapor soltado por essas pessoas especiais no momento de sua morte. Agora, Dan precisa voltar a encarar o passado que ele vinha fugindo e trancafiando em sua mente.

Apesar de homenagear Kubrick (isso será falado posteriormente) nos atos iniciais e finais, tanto com a reutilização da música-tema quanto pela recriação de momentos icônicos, o diretor Mike Flanagan (Hush – A Morte Ouve) consegue fazer de Doutor Sono um projeto seu. Não é um terror que se apoia somente em jumpscares, mas diria que se assemelha muito ao clima de filmes de vampiros. Explico melhor.

Primeiramente, em uma camada mais visual, a maneira como a que os membros do culto semi-imortal se alimentam das vítimas e as atraem ocorre por meio de uma ritualidade sedutora e sensual. Em relação a temática, a narrativa toda permeia essa questão da busca pela imortalidade a negação da morte. Isso é algo que está presente não só nos diálogos mais metafísicos sobre o que há depois da morte, como também o próprio Danny serve como a antítese dessa questão, e por isso, a antítese dos vilões. Afinal, quando trabalha no manicômio, ele sabe o momento em que os idosos irão morrer e os conforta, representando praticamente a morte. 

Isso tudo leva o filme para uma dualidade clássica entre bem e mal; vida e morte. Por outro lado, Flanagan também se entrega a um lado mais fantasioso com elementos de terror ao explorar a potencialidade dos poderes dos “iluminados”,  como as projeções astrais e o mundo dos sonhos, com uma câmera flutuante.

O maior problema do diretor é quando suas homenagens a Kubrick no terceiro ato ficam na esfera do fetichismo. Diversas cenas são replicadas e, diferente do que acontece no resto do filme, não possuem identidade própria. Obviamente que, sendo uma continuação de O Iluminado, paralelos visuais seriam normais, mas Flanagan pouco faz para reinventar tais momentos. Até por isso, os últimos 20 minutos de Doutor Sono funcionam muito mais como uma viagem nostálgica para um museu, tirando o foco da batalha final construída gradualmente ao longo do filme.

Personagens e Atuações

Similarmente, Ewan McGregor acaba sofrendo com essa tentativa de emular O Iluminado, falhando ao trazer alguns maneirismos de Jack Nicholson. Felizmente, isso só acontece no final do filme e por boa parte do tempo, o ator traz uma humanidade falha e ambígua poderosa para Danny. É uma atuação que consegue exteriorizar os conflitos internos do alcoolismo e da depressão, em uma luta diária.  

Já Rebbeca Ferguson se torna uma das melhores vilãs do gênero de terror recente. Não só por seu chapéu de cartola excêntrico ou sua fala hipnotizante e ameaçadora, mas ela possui uma jornada descendente de autoconfiança e soberba que vai sendo muito bem desconstruída ao longo da narrativa, que expõe suas fragilidades. 

Depois dos Créditos

Doutor Sono é mais uma adaptação de Stephen King do que O Iluminado de Kubrick foi, mas é também, mais um filme de falecido diretor do que o escritor gostaria. Mas chega de comparações, pois Mike Flanagan consegue impor sua visão, na maior parte do tempo, dentro deste universo.  

 

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Doutor Sono

8

NOTA

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