Crítica | Divino Amor – Sci-fi nacional traz encanto visual e história reflexiva

Com pouco aprofundamento na sociedade distópica, "divino amor" explora a particularidade da protagonista e reflexões inteligentes sobre a religiosidade

Antes do Filme

Após passar por vários festivais e ganhar destaque como um dos melhores de Sundance, Divino Amor tem sua estreia nacional nessa última semana de maio. O filme é uma ficção científica brasileira dirigida por Gabriel Mascaro (Boi Neon e Ventos de Agosto). A distopia, pelo trailer, traz um encanto gospel cibernético e história autoral.

 

Sinopse

Em um Brasil num futuro próximo, 2027, há um cultivo religioso muito forte que comemora e aguarda o retorno do messias. Joana (Dira Paes) é uma mulher devota, vive com o marido e trabalha em um cartório. Lá, ela lida diretamente com a burocracia da separação de casais e tenta a todo custo convencê-los a buscar ajuda da igreja do Divino Amor para a reconciliação. Mesmo com tanta dedicação ao que ela acredita ser sua missão destinada por Deus, Joana se frustra por não conseguir engravidar. Isso desencadeia uma série de ocorrências que resultam na busca da personagem por esse objetivo, afetando tanto seu casamento quanto suas relações interpessoais.

 

Personagens, atuações e narrativa

A atriz Dira Paes desempenha primordialmente a imagem da personagem, uma mulher dedicada e fervorosa pela religião. No entanto, ela se coloca na narrativa com ímpeto, o que a torna sólida e vigorosa. Mesmo diante das contradições, que são mostradas dentro desse universo ultra mergulhado na ideologia religiosa, é possível perceber que a busca e relação de Joana com aquilo tudo é muito genuína. Por mais que se mostre deslumbrada pela fé e trilhe seu caminho pautado nisso, a personagem nunca deixa de questionar seu mérito, sua recompensa, o que significa que ela tem um pensamento crítico por trás de toda a situação. 

Da perspectiva da arte e da fotografia, a ambiência que o filme cria traduz de forma pertinente e interessante as contradições envolvidas na temática. Ao mesmo tempo que trata-se de um contexto beato, é visível a utilização de luzes e elementos que, em primeiro olhar, não são remetentes à cultos religiosos. As luzes neon e cores dão um aspecto de “boate”, de modernidade, o que abranda o clima conservador e tradicionalista. Isso revela a dualidade observável na própria prática da igreja do Divino Amor [SPOILER ALERT]; que há uma espécie de troca de casais, permitida e praticada dentro da própria igreja, em nome do bem do casamento. Como em muitos momentos é dito no filme, “quem ama não trai, quem ama divide”. Ao mesmo tempo em que o tema tratado é tão ortodoxo, cultor de crenças inabaláveis, o filme visualmente mostra o contrário ao propor essa estética cibernética e reveladora de camadas.

Ainda que a arte e a fotografia cumpram um papel importante na ambientação desse contexto futurista e imaginário, por muitas vezes o roteiro não explica alguns detalhes da narrativa. Em uma ficção científica, é um artifício recorrente tornar aquela realidade o mais crível e compreensível, no intuito de justificar cada situação na narrativa. Divino Amor deixa algumas dúvidas sobre essa sociedade do Brasil de 2027. O recorte do filme é bem específico, o que funciona nessa proposta – um filme mais intimista, que investiga a sua personagem principal de perto – ainda assim, deixa de lado um contexto externo que favoreceria a estrutura e fundação da distopia como um todo. Isso afeta o envolvimento e a aprofundação do espectador com a história, que se mantém em uma configuração limitada diante de diversas camadas a serem ilustradas no contexto.

 

Depois dos créditos

O filme é um sci-fi atraente, que trata de um assunto imprevisível e foi lançado em um período peculiar do Brasil, o que aproxima a narrativa distópica à realidade vigente. Divino Amor contém reflexões inteligentes, mas deixa o universo da narrativa básico. Isso reduz a capacidade da premissa, atrativa e original, de proporcionar muitas outras possíveis contemplações.

 

Escrito por: Roberta Braz
Revisão: Raquel Severini

7.5

NOTA

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