Triângulo da Tristeza | Cobertura da 46ª Mostra de Cinema de São Paulo

O primeiro filme que conferimos na 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo foi o vencedor do prêmio máximo do Festival de Cannes deste ano, a Palma de Ouro. Triângulo da Tristeza é uma tragicomédia que explora um tema já conhecido do vivido espectador do gênero: a dissonância entre classes. O cenário escolhido para examinar essas relações é um iate de luxo no estilo mais ‘downton abbey-iano’ possível: no andar de baixo, a criadagem que serve e obedece, e em cima, os simpáticos ricos que mandam e querem tudo e todos. E, claro, há também personagens mistos que servem a narrativa uma transição interessante, quebrando a dualidade estrita imposta pela premissa, não são da classe mais alta, nem da mais baixa, se encontram perdidos ao mesmo tempo que nos auxiliam a encontrar as ideias do filme.

Ainda continuando com a comparação, se em Downton Abbey, a classe dominante era representada por velhos ricos, ainda dotados de títulos de nobreza na Inglaterra do início do século XX, em Triângulo da Tristeza há uma diversidade no que tange a essa classe. O filme, de fato, se inicia não no iate, mas sim em um casting de modelos masculinos. Lá conhecemos Carl (Harris Dickinson), um modelo masculino já um pouco mais velho pelos parâmetros da indústria e, que, apesar de sua beleza, ainda não conseguiu um patamar consolidado em sua carreira. Carl, que até então parece ser o protagonista do filme, vive um relacionamento com Yaya, também modelo. É nessa relação que o filme explora uma primeira dualidade social: Yaya e Carl, mesmo tendo a mesma profissão, não ganham o mesmo dinheiro, algo que se reflete nos momentos experienciados durante o filme. Essa discrepância é tema de debate e de longas cenas nos momentos iniciais do longa, momentos esses focados estritamente no casal.

Já no iate, Yaya, acompanhada de seu namorado, que não aparenta ser tão rica quanto os outros hóspedes, está ali como convidada especial: ela é também influencer digital e foi chamada pela companhia responsável pelo iate para divulgar e aproveitar todos os luxos ali disponíveis. É fato que o filme procura diversificar o máximo possível os estilos de vida predominantes na sociedade contemporânea e acaba sendo bem sucedido na empreitada, muito em parte ao fato de que também não tenta se aprofundar neles e sim trazer uma observação casual sobre esses estilos. 

Após uma sequência de cenas caóticas que dão mais que jus ao sub gênero tragicômico do longa, o terceiro ato encontra-se como um momento de quebra e crítica de tudo que foi exposto até então. A criadagem toma lugar como parte ativa da história, especialmente por meio da chefe de limpeza de banheiros, Abigail, interpretada pela hilária Dolly De León. Os momentos finais do filme não são tão excitantes quanto os iniciais, mas ainda há bastante fôlego e há uma certa compensação ao final representada por uma decisão esperta do diretor, demonstrando seu talento em criar uma história coesa e redonda. 

Por fim, Triângulo da Tristeza é um longo filme, que por partes perde um pouco de vigor, mas nunca deixa de entreter ou, pelo menos, causar curiosidade em relação aos próximos acontecimentos. É uma crítica social bem-vinda ao escopo do cinema contemporâneo em que não deixa de explorar nenhuma aresta, ao mesmo tempo em que não exagera na forma como lida com cada particularidade examinada. 

9

NOTA

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