Review | Drácula – Muito Sangue e Pouca Carne

Drácula

"Drácula" é uma série que deixa a trama e o desenvolvimento de seus personagens de lado para perseguir momentos bombásticos. Mesmo o fato de ser escrita pelos roteiristas de "Sherlock" não impediu a série de ser mais uma adaptação sem sal do da história do Conde Drácula.

Antes da Temporada

Os vampiros nos fascinam desde tempos imemoriais. Primeiro, com mitos passados oralmente. Depois, com livros e contos como “The Vampyre”, do autor John William Polidori, e “Drácula”, de Bram Stoker, para chegar, enfim, aos dias atuais protagonizando filmes e videogames, como “Nosferatu” e a franquia “Castlevania”. Imortais, belos e sedentos por sangue, a sua natureza nos seduz por afetar partes de nossas psiques que procuramos suprimir. O vampiro é puro Id, um ser que não se preocupa com a morte e a moral, e cujo único objetivo na terra é saciar seus desejos. Sendo assim, é natural que haja uma atração pela imagem do vampiro, um ser bonito e eterno que sempre realiza suas vontades sem se preocupar com os demais. Ele é um pecador assumido e isso o diverte, e é isso o que nos tenta.

Em 1897, o escritor irlandês Bram Stoker escreveu “Drácula”, um livro que conta a história de um conde, que também é vampiro, e se muda para Londres para se alimentar da população local. O livro foi um sucesso e múltiplas adaptações foram feitas ao longo dos séculos, como o “Drácula” da Hammer Films em 1958, interpretado pelo saudoso Christopher Lee, ou o “Drácula de Bram Stoker”, de Francis Ford Coppola. Hoje, quem tenta a sorte com o personagem é a dupla Mark Gatiss e Steven Moffat, de Sherlock e da mais recente temporada de Doctor Who.

Trama e Roteiro

A trama começa da mesma maneira que o livro, com o jovem advogado Jonathan Harker (John Heffernan) rumando até a Romênia para coletar a assinatura do Conde Drácula (Claes Bang) em alguns documentos, até que ele percebe ser, na verdade, um prisioneiro do vampiro em seu castelo. Jonathan começa a planejar sua fuga e são suas ações que, contadas através de flashbacks, dão início à trama. O enredo acompanha, também, a viagem de Drácula até Londres e a batalha da freira Agatha Van Helsing (Dolly Wells) para deter o vampiro.

O roteiro rapidamente diverge do livro original e, assim, se torna evidente que a série busca contar a sua própria versão da história do Conde Drácula: alterando acontecimentos do livro, transformando o médico Abraham Van Helsing do original em uma freira, e com um pulo temporal um tanto apressado para o futuro. Não há nenhum problema nessas mudanças em si, mas a execução delas se prova mais do que falha, principalmente pela maneira rasa com que a obra desenvolve seus temas e personagens.

É claro que o Drácula é um livro de terror e o próprio personagem cria múltiplas oportunidades para momentos de tensão e banhos de sangue, mas a série parece focar mais nessas cenas “explosivas” do que no desenvolvimento da trama, algo que piora cada vez mais conforme avançamos. Em seus três episódios de uma hora e meia, Moffat e Gatis parecem mais interessados em criar sequências de tensão do que em desenvolver uma história. Por exemplo, há uma trama em que Van Helsing tenta descobrir quais dos mitos que envolvem o vampiro são verdadeiros, como repulsa à luz do sol, proibição de entrar em residências sem ser convidado e o medo da cruz. Isso é interessante não apenas por mostrar o que pensam os personagens, mas também porque eles trazem uma nova interpretação desses mitos. Durante os três episódios, vemos discussões e hipóteses sobre o funcionamento do “vampirismo”, mas são elas todas descartadas por uma resolução única e simples, que não só difere do que já tinha sido estabelecido, como também é extremamente simplista.

Personagens e Atuações

Esse problema também afeta os personagens. Em especial, porque cada um dos três episódios conta uma história mais ou menos independente e com seus próprios personagens, a única exceção sendo Agatha Van Helsing e o próprio Drácula. Esse fluxo constante de novos personagens dificulta o apego da audiência, e impede, também, que esses personagens tenham suas motivações e objetivos desenvolvidos propriamente. Um exemplo disso é Piotr (Samuel Blenkin), que é apresentado como um personagem importante no segundo episódio, mas rapidamente é esquecido.

Outro problema cai em Agatha, que está presente nos três episódios mas não tem um grande desenvolvimento pessoal. Ela é apresentada como uma freia especializada no oculto e retratada como alguém com dúvidas em relação a sua fé. Mas ela parece estar sempre dependente do Drácula e de seus atos, tendo poucas cenas para interagir com outros personagens ou esclarecer suas motivações. O máximo desenvolvido pela série é que ao lutar contra o mal que o Drácula representa, ela se vê mais perto de Deus. Entretanto, a série acaba nunca entrando nos motivos pelos quais isso é importante para Agatha.

Um ponto que não se pode criticar na série é a atuação. Mesmo trabalhando com um material raso, tanto John Heffernan quanto Dolly Wells deixam impressões marcantes, e são, ambos, os que mais se destacam dentro da série. Uma pena que Mina (Morfydd Clark), esposa de Jonathan, tenha um papel tão reduzido, considerando o seu peso no livro. Mas, no geral, o elenco da obra é um grupo diverso e forte, conseguindo trazer… sangue novo para uma obra tão morta (perdão pelo trocadilho).

Já o Conde Drácula (Claes Bang) é um espetáculo, um aristocrata com cinco séculos de sede mortal acumulada, viciado não apenas em sangue mais também na adrenalina da caça e na corrupção de almas humanas. E Claes o interpreta com gosto, como se cada cena, cada set e figurino fosse uma possível vítima, que ele busca devorar com gosto. É um homem sem freios morais ou preocupações maiores do que “o que vou jantar hoje?”. Claes o vive com brilho, mas mantendo um senso constante de perigo em cena, dando a sensação de que o próprio Drácula está prestes a sair da televisão a qualquer momento e nos atacar.

Depois dos Créditos

Por fim, em seus três episódios de 1h30mim, a série “Drácula” não consegue achar um fio narrativo para tecer, ficando presa a momentos de horror e sequências de ação cheias de estilo, mas com pouca substância. O terceiro episódio em especial é uma bagunça narrativa, introduzindo personagens que pouco acrescentam à trama e que mereciam mais atenção. A Lucy, de Lydia West, é um exemplo de personagem complexa e teoricamente importante para a trama, que acaba sendo reduzida a uma jovem rasa, obcecada com festas e sua própria beleza, resultando em um dos maiores erros no roteiro de Moffat. Se o próprio Drácula fala que “Sangue é vidas”, essa série corre grave risco de anemia.

 

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NOTA

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