Antes do episódio
Na última quarta-feira (5), saíram mais 3 episódios fresquinhos da famosa distopia da Netflix, Black Mirror. O episódio Rachel, Jack and Ashley Too traz a cantora e atriz Miley Cyrus como uma das personagens principais, o que chama atenção logo de cara. É interessante pensar na vida pessoal de Miley em contraste com o que fica evidente no trailer, e a quantidade de “transições” que a cantora teve ao longo da carreira, justamente por ter se consolidado como uma artista da Disney e carregar durante um bom tempo essa imagem, o que combina com o arco de sua personagem do episódio em análise. Foi escrito por Charlie Brooker, criador e um dos autores principais da série, e dirigido por Anne Sewitsky.
Sinopse
Rachel (Angourie Rice) é uma garota que está passando por dificuldades desde o falecimento recente de sua mãe. Em uma nova cidade, na qual não tem amigos na escola, ela mora com sua irmã mais velha, Jack (Madison Davenport), e seu pai, Kevin (Marc Menchaca). Super fã da cantora Ashley O (Miley Cyrus), ela vê o lançamento de uma boneca de inteligência artificial da ídola, Ashley Too, e pede ao pai de presente. Ela se aproxima muito da boneca, que acaba virando praticamente sua melhor amiga, simulando falas da própria cantora, sempre cheias de mensagens positivas e motivadoras. No entanto, ao vermos Ashley em sua vida pessoal e nos bastidores, é evidente que a realidade da cantora não é bem daquele jeito. Ela trabalha contrariada e infeliz sob os moldes de sucesso e lucro de sua tia e empresária, Catherine (Susan Pourfar), que acaba apelando à medidas drásticas a fim de mantê-la em seu controle.
Trama e Narrativa
O rumo que a narrativa toma no episódio não é óbvio, o que a torna interessante de acompanhar. Os pontos de vista se alternam entre a vida de Rachel e a de Ashley, o que complementa entre si o desenrolar de situações de forma orgânica nos 67 minutos de tela. Embora seja uma história envolvente, o roteiro sem lacunas ou espaços de reflexão deixa tudo mastigado demais, sem entregar aquela incógnita a ser respondida pelo espectador, típica de uma distopia – um elemento que poderia ser explorado a fim de, literalmente, provocar cada indivíduo que assistisse de forma mais particular. Como a história é contada bem no passo a passo, isso fica um pouco de lado, o que não é algo ruim, mas uma escolha segura e pouco ousada.
O filme não é caprichado em requintes visuais super modernos, mais notável nos recursos de pós-produção e efeitos especiais do que no design de produção da série. Mesmo assim, não deixa a desejar nesse departamento, uma vez que corresponde à narrativa, sem necessidade de ambientar mais ainda na arte dos cenários e figurinos. A história não se apropria de tecnologias tão inovadoras como costumamos ver na série, além da boneca Ashley Too, o que limita o uso desses efeitos nela, em hologramas e telas virtuais. Um elemento que traz mais uma coincidência, na persona Ashley O, é usar peruca, o que remete à famosa personagem vivida por Miley Cyrus em sua adolescência.
Personagens e Atuações
A escolha de Miley como Ashley O é bastante interessante e justificável, pois a atriz e cantora pode contribuir, nesse formato de atuação, com suas experiências pessoais. Aos que não conhecem, ela viveu por cinco anos desde 2006 um de seus papéis mais famosos, protagonizando a série Hannah Montana, no qual ela interpretava uma adolescente que escondia o segredo de ser uma popstar famosa e levava essa vida dupla entre realidade e palcos. Sendo assim, não é a primeira vez que Miley tem essa construção de uma persona em um personagem que tenha vida dupla, seja de maneira feliz ou descontente. Rachel, Jack and Ashley Too parece uma versão perversa do papel tão famoso de Cyrus, nesse sentido.
As atuações das atrizes protagonistas Angourie e Madison também é bem sintonizada. Como irmãs, elas constroem mais uma dualidade interessante: a que gosta de pop, mais tímida, quieta e sonhadora, e a que tem mais atitude, ouve rock e é pé no chão. É notável que cada uma contribui um pouco dessas personalidades à outra ao longo da narrativa, sem evidenciar uma como melhor ou pior, e mesmo nessa suposta rivalidade de papéis, acabam se ajudando.
Considerações Finais
Rachel, Jack and Ashley Too é um episódio pouco ousado quando pensamos que faz parte da série Black Mirror, que costuma utilizar elementos fora da caixa e pouco óbvios em sua narrativa. Mesmo assim, não deixa de ser uma história original e intrigante para quem assiste. Além disso, traz consigo críticas relevantes e atemporais sobre a indústria cultural; como o fanatismo na era digital, o controle de informações sujeitas a distorção e a omissão pela mídia, capaz de fazer o grande público engolir com facilidade qualquer coisa. Isso vem bastante a calhar nos dias de hoje, realidade próxima e menos distópica do que pensamos.
Escrito por: Roberta Braz