Festival de Cannes | Matthias et Maxime – Enfrentando a masculinidade frágil

O diretor Xavier Dolan deixa um pouco a temática materna, sempre presente em seus filmes, para dessa vez abordar em "Matthias & Maxime" o tabu da masculinidade frágil, porém fazendo pouco mais do que arranhar a superfície da questão.

Antes do Filme

Por mais que nas últimas décadas a humanidade tenha passado por grandes revoluções socioculturais, quebrando diversos preconceitos e opiniões retrógradas, há ainda um tabu que persiste. Chama-se masculinidade frágil. Buscando desmistificar essa questão, o brilhante e jovem diretor Xavier Dolan (I Killed My Mother, Mommy) conta em Matthias & Maxime uma história de amor, emoções e impulsos reprimidos.

Trama e Roteiro

A trama começa quando somos apresentados a um grupo de amigos, em seus quase trinta anos, habitando no Canadá. Unidos há anos, eles vivem compartilhando momentos de embriaguez e viagens. Entretanto, as coisas nunca mais seriam as mesmas após a irmã de um dos integrantes realizar um pedido: ela precisa que dois dentre eles aceitem participar de um curta-metragem para sua faculdade. O filme consiste apenas nos jovens se beijando, em uma longa tomada.

Com certa relutância e depois de até piadas feitas, em uma tentativa de suavizar o clima estranho que ficou no ar, a “árdua missão” cabe aos protagonistas, que levam o nome no título: Matthias (Gabriel D’Almeida Freitas, estreante no cinema) e Maxime (o próprio Xavier Dolan). Sendo uma escolha narrativa ousada do diretor, o beijo propriamente nunca é mostrado, apesar de presenciarmos toda a sequência de desconforto que antecede a situação. Ao longo do filme, o momento é frequentemente relembrado por seus personagens, gerando curiosidade no espectador. No terceiro ato, tal omissão justifica-se e potencializa a cena mais catártica da história.

Utilizando-se de diversas metáforas, como mergulhos no fundo de um lago, Dolan questiona o modo como o ser humano acha que possui pleno conhecimento de si mesmo, quando na verdade pouco experimentou de suas próprias emoções. Por este motivo, Matthias, um advogado começando uma carreira bem-sucedida e Maxime, preste a se mudar para Austrália, ficam completamente desnorteados. Acreditando estarem com suas vidas definidas, ambos começam a questionar todas as decisões tomadas até o presente e se estão certos de seu futuro.

Personagens e Atuações

Colocando aquele que assiste na mesma posição de Matthias e Maxime, o diretor consegue criar muito bem um crescente clima de desconforto, com cada troca de olhares carregando um enorme peso e como se a dupla estivesse prestes a explodir por conta de tantos sentimentos guardados e a falta de comunicação entre eles. Até por esse motivo, ele dosa perfeitamente seus momentos mais dramáticos com as interações entre o grupo de amigos, com o elenco secundário servindo de contrabalança cômica para a trama.

Quem já ouviu falar de Xavier Dolan conhece o principal tema de sua filmografia: figuras maternas. Com excelentes trabalhos questionando a natureza da relação mãe-filho, em Matthias & Maxime o assunto não é esquecido, apesar de não ser protagonista. A excelente Anne Dorval (Mommy) interpreta a mãe de Maxime, longe de ser uma figura modelo e repleta de vícios, sendo uma das causas do filho sentir-se constantemente reprimido.

Outra característica do personagem de Dolan é uma enorme marca em seu rosto, servindo como mais um artifício do roteiro para o espectador inconscientemente absorver que o personagem deve ter sofrido preconceito em seu passado, fator que justifica mais ainda sua insegurança. O ator-diretor confirma novamente sua excelência interpretando, muito devido ao fato de que suas obras contém um tom autobiográfico, facilitando sua atuação. Já o novato Gabriel d’Almeida Freitas traz o outro lado da moeda, em uma luta interna contra seus próprios desejos, fazendo com que seu personagem crie uma falsa máscara de tranquilidade e segurança para as pessoas ao seu redor.

Depois dos Créditos

Se até o presente momento Matthias & Maxime parece ser um filme sem defeitos, ele está longe disso. Mais questionamentos que respostas são deixados quando a história se encerra. Aliás, não quero que o leitor acredite que possuo apreço por obras que deixam tudo mastigado, longe disso. No entanto, o próprio Dolan não parece ter as respostas que ele busca, optando por um encerramento seguro e clichê. Não se engane, esta é uma história de amor que todos já vimos, mas pelo menos o diretor possui sensibilidade suficiente para que até os autointitulados macho-alfas reflitam se um beijo em uma pessoa do mesmo sexo feriria tanto assim suas respectivas honras.

 

Revisão: Raquel Severini

6.5

NOTA

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