Antes do Filme
Ted Bundy era um serial killer que matou, estuprou, decepou e desmembrou mais de trinta mulheres durante quatro anos em, pelo menos, sete estados americanos diferentes. Ele fugiu da prisão duas vezes até ser pego na Flórida e sentenciado a morte. Seu julgamento foi o primeiro televisionado em cadeia nacional nos Estados Unidos, e sua beleza e carisma o renderam legiões de fãs, apesar de seus crimes horrendos.
Com isso em mente, me questiono porque alguém considerou uma boa ideia fazer um filme que não só não mostra esses assassinatos em tela, como transforma Ted Bundy em uma figura quase válida de nossa empatia.
Trama e Roteiro
O filme, dirigido por Joe Berlinger, se passa, na maior parte de sua duração, durante a década de 70, quando Bundy (Zac Effron) cometeu a maioria de seus crimes, e foca na vida doméstica dele com sua mulher Liz Kendall (Lilly Collins) e filha, e nos seus diversos julgamentos, nos quais é acompanhado principalmente por sua amante Carole Ann (Kaya Scodelario). É principalmente com Liz e Bundy que o filme desenvolve sua narrativa, mostrando todo o processo legal que ele passa e a dificuldade de Liz de aceitar que o seu marido é um psicopata.
A linha narrativa do filme é muito confusa, pulando de locação e acontecimento sem muita coesão, deixando os espectadores que não conhecem previamente a trajetória de Bundy confusos e nunca conseguindo desenvolver um arco dramático para seus personagens. Isso se dá em parte por que é um longa que não sabe o que quer ser: Um filme de tribunal, mostrando o desenvolvimento do caso que condenou Bundy a cadeira elétrica? Um estudo de personagem que tenta entender como um homem como ele despertou a paixão de jovens americanas e arraigou legiões de fãs? Ou talvez um drama sobre a história da mulher que, sem conhecimento disso, se apaixona por Ted Bundy e se casa com ele? Todas essas linhas narrativas são válidas e podem render uma história interessante, no entanto o filme tenta atirar para todos os lados e não acerta.
A cinematografia do filme, realizada por Brandon Trost, é competente e aposta em tons mais escuros, buscando trazer um clima sóbrio, condizente com o assunto do filme. A direção de arte e produção do filme são bons e realmente transmitem o clima da época. Os figurinos tanto dos membros do tribunal quanto da “população geral” são muito bem feitos e realmente lembram algo que alguém usaria nos anos 70.
Já o roteiro do filme, assinado por Michael Werwie e baseado no livro de Liz Kendall é confuso e romantiza a figura de Ted Bundy. Não há um desenvolvimento das personagens femininas e elas são retratadas como incapazes de tomar próprias decisões sem ajuda de outros – Liz só retoma sua vida após encontrar um novo homem – e quando o fazem, o roteiro não é desenvolvido o suficiente para nos mostrar a sequência dos fatos que levaram a tal decisão.
O longa também foge da responsabilidade de mostrar os crimes cometidos por Ted, romantizando sua figura a ponto de mostrá-lo como uma pessoa como outra qualquer – Um cara legal, engraçado e que pode até mesmo ser inocente! Resumindo: é um filme sobre um serial killer com um mínimo de sangue mostrado em cena. Essa ambiguidade na forma como Ted Bundy é retratado chega até mesmo a ser ofensiva, tendo em vista os mais de trinta assassinatos cometidos e confessados por ele.
Personagens e Atuações
O principal destaque nas atuações é de Zac Effron. Ele está muito bem no papel de Ted Bundy, ele tem tanto o físico quanto o carisma para convencer a audiência que é um charmoso psicopata e é perceptível sua vontade de escapar da pecha de “Ídolo Adolescente” e ser visto como um ator que pode entregar trabalhos mais sérios. Além disso, ele desenvolve toda uma expressividade para seu Bundy, que parece um homem pronto para explodir a qualquer momento. É uma pena que o filme não o dê a oportunidade de explorar ainda mais esse lado do psicopata e se satisfaz com uma romantização barata do personagem.
O filme também conta com uma participação rápida de Jim Parsons (o Sheldon de The Big Bang Theory) e de um John Malkovich no piloto automático, ou seja, ainda é bom, mas é igual a outros dez filmes em que você já o viu. Também há Lily Collins e Kaya Scodelario, que fazem o máximo possível com o mínimo dado a seus personagens.
Depois dos Créditos
“Ted Bundy: A Face Irresistível do Mal” é um longa confuso e problemático. Parece que o próprio filme foi engabelado pelo charme de Ted Bundy e nunca parou para se questionar o motivo (ou os efeitos) de se humanizar tanto um homem que ficou notório justamente pelos seus crimes inumanos. Imagine como seria se alguém fizesse um filme do goleiro Bruno que apenas falasse o quão bom jogador
As atuações, o figurino e todos os valores de produção são bons e o terceiro ato do filme ainda tenta se salvar, transformando a história em um drama de tribunal, como um episódio medíocre de Law and Order. No entanto, são poucas as coisas que se pode elogiar de um filme cuja maior razão de existir parece ser a romantização de um serial killer necrófilo.
Corrigido por: Raquel Severini