Antes do Filme
Qual o preço do hiperrealismo? Segundo os site Screenrant, 260 milhões de euros, se tornando a produção live-action mais cara da Disney até o momento. Entretanto, não é disso que estou falando. Escrever sobre o remake de Rei Leão e não questionar sua existência é supérfluo.
É possível dizer que essa nova tendência do mercado — adaptando desenhos 2D em live-actions — ajuda a perpetuar grandes clássicos para um novo público. Afinal, não é todo pai e mãe que colocam o filho para ver uma animação de 1994 em casa. Não é só feito para as crianças. Há um apelo nostálgico que levará a antiga geração a revisitar obras que marcaram suas vidas. Se antes um jovem na década de 90 via o filme sob a ótica de Simba, hoje ele já entende mais a representação da figura paterna de Mufasa, por exemplo.
Apesar de remakes não serem uma novidade — sendo uma prática recorrente desde o cinema mudo — há um inegável saturamento atual do gênero. Por que não concentrar esforços em novas histórias? Certamente não falta criatividade dentro de grandes empresas como a Disney. O que parece estar acontecendo é um estudo mercadológico que identifica o sucesso garantido dessas releituras e, assim, produtores conservadores buscam o maior lucro possível, ao invés de tentarem novas ideias mais ousadas.
Trama e Enredo
Rei Leão (2019) é uma releitura cena-por-cena de sua versão original. Com pouquíssimas e pontuais alterações, o diretor Jon Fraveau (Homem de Ferro, Mogli: O Menino Lobo) e sua equipe de roteiristas demonstram também optar por um movimento de segurança. Não que isso seja um problema, afinal, o roteiro original é simples, mas consegue ilustrar perfeitamente a jornada do heroi. No entanto, enxergando o cinema simplesmente como arte e não como indústria, ter uma nova tecnologia disponível não é uma desculpa convincente para refazer tudo já feito. Há certas coisas que não devem ser mexidas.
Aliás, do ponto de vista gráfico, não há como ignorar o deslumbre visual que é o filme. Para quem já conhece a história, vale a pena desligar a mente por alguns minutos e ficar apenas prestando atenção em cada detalhe na tela. São as coisas mais sutis que impressionam, como o peito dos leões se expandindo e contraindo por conta da respiração ou as orelhas que levantam quando em alerta.
Nem tudo são flores e, por isso, estar praticamente assistindo um documentário do Discovery Channel possui um preço. Uma das grandes características da animação de 1994 era, justamente, os traços caricatos dos personagens. Sem esse compromisso com o realismo, era mais fácil emular expressões, como de tristeza, felicidade, raiva e etc. Com animais quase reais, tornou-se mais difícil transmitir tais sentimentos ao público. Um dos grandes momentos do desenho é quando Simba está extremamente abatido por conta da morte de seu pai e vemos, durante a performance de Hakuna Matata, como seu semblante facial vai se tornando mais alegre. A magia disso é perdida.
Ainda na temática visual, a ambientação do continente africano está incrível. A cinematografia com planos abertos consegue passar a grandeza e infinitude daquele lugar, além da linda luta final com o fogo cercando os animais. Enquanto isso, a direção de Favreau funciona majoritariamente nas sequências de ação, seja com a urgência da cena da debandada dos gnus, caótica e desesperadora, ou com uma maior coreografia no embate entre Scar e Simba. O diretor também opta por escolhas bem clichês, como um zoom no rosto de Simba presenciando a morte de seu pai, ou um flashback no meio da batalha final. Outro destaque é o sempre excelente Hans Zimmer e sua trilha sonora, que, com um tom melancólico, consegue aumentar a fraca parte sentimental do filme.
Personagens e Atuações
Quanto aos personagens, os destaques ficam para Timão e Pumba, que assim como no original, roubam a cena através do alívio cômico. Rafiki ganha uma personalidade mais mística e Nala é melhor desenvolvida, tendo algumas cenas a mais que fazem com que a leoa não seja apenas a prometida de Simba. As hienas estão assustadoras, mas Scar não parece tão ameaçador quanto antes. Se no desenho a juba preta do leão contrastava perfeitamente com a dos outros, aqui ela está menos distintiva e na luta contra Simba é até possível confundir os leões em certos momentos. A dublagem brasileira também colabora em deixar o filme mais apático. Ícaro (Simba) não está bem na parte musical e Iza (Nala) não convence dramaticamente. Em suma, todas as cenas musicais não tem o mesmo teor épico de antes.
Depois dos Créditos
Não há como dizer que esta nova versão de Rei Leão não diverte. Afinal, como poderia ser diferente, se o material que copia e homenageia é sensacional? Além de trazer nostalgia para os que amam o desenho e apresentar para as crianças, não há muito propósito para sua existência. É pura indústria e busca do lucro. Para os que se impressionam cada vez mais com o potencial da computação gráfica, ver o filme na tela grande é essencial e um puro deleite para os olhos. Enquanto houver bilheteria para esse saudosismo fetichista, novas ideias de mentes brilhantes continuarão sendo engavetadas.
Revisão: Raquel Severini