ANTES DO FILME
O filme Pecadores (2025) tem a direção do renomado diretor Ryan Coogler (Pantera Negra). Neste novo longa, o cineasta apresenta sua primeira trama com teores sobrenaturais ao contar a história dos gêmeos Fumaça e Fuligem (Michael B. Jordan). Coogler revelou em entrevistas que uma de suas inspirações para o longa foi a obra A Hora do Vampiro de Stephen King, além de referenciar cenários onde seus familiares cresceram, junto com a cultura popular norte americana.
A sinopse inicial aponta para o retorno dos gêmeos para sua cidade natal no sul dos Estados Unidos em 1932, com o objetivo de se reconectarem com suas origens. Porém, uma força maligna ronda a cidade e está pronta para se servir de seus moradores. De primeiro momento a sinopse não apresenta nada de inovador, mas o diretor entrega um longa repleto de profundidade, retratando a realidade da sociedade americana da época totalmente segregacionista. Alinhado a esse tema, Coogler incorpora em todo seu longa a influência do Blues na cultura afro americana como forma de resistência.
DURANTE O FILME
A história tem início com os gêmeos adquirindo uma propriedade de um senhor que beira o preconceito, para abrirem seu próprio bar para que a população negra tenha um local de expressão. Após a compra ambos se encontram com seu primo Sammie (Miles Caton) para saírem em busca de funcionários para a grande abertura naquela mesma noite. Os trabalhadores contratados pela dupla estão de alguma forma ligada a algum tipo de pecado ou tendência maliciosa, o que é utilizado para persuadir suas escolhas. Destaques para a contratação de Jedidiah interpretado por Saul Williams (Pisque Duas Vezes) e Annie atuada por Wunmi Mosaku (Deadpool & Wolverine).
Com o passar do dia os irmãos conseguem funcionários para seu bar, e Fuligem encontra uma antiga paixão, Mary interpretada por Hailee Stenfield (Gavião Arqueiro). Com o cair da noite, uma entidade sanguinária começa a se espalhar pela cidade, corrompendo seus habitantes um a um. Se aproxima o momento da grande inauguração do bar dos gêmeos. Tudo parece em ordem no local com bastante comida, bebida e principalmente o Blues como cargo chefe da música da noite, com a apresentação de Sammie, ocorre uma das cenas mais grandiosas do longa com a mais pura música sendo tocada pelo jovem transcendendo as épocas musicais.
Ao longo da noite as forças vampíricas ameaçam o bar, convertendo clientes e amigos dos gêmeos em servos. Com a ameaça crescente, os remanescentes terão que lutar por suas vidas com armas pouco letais contra os mortos vivos.
APÓS O FILME
Ao chegar para a cabine de Pecadores, estava com o pensamento voltado para acompanhar mais uma história de vampiros, mas recebi uma experiência cinematográfica única, uma das melhores do ano sem dúvidas. O diretor que também assina o roteiro faz um trabalho sublime em nos apresentar uma história carregada de mensagens importantes sobre racismo, apropriação cultural e como a música é utilizada de maneira transcendental como forma de resistência. Os mínimos detalhes são retratos em um dos melhores trabalhos de Coogler, desde cenas minimalistas e devastadoras como a parte da conversa no carro sobre como um dos integrantes do grupo musical escapou do grupo de supremacia branca que era famoso na época. Outra cena de destaque fica para a segunda parte do longa, onde ganha um prisma mais de terror visceral. O uso dos vampiros como a figura opressora de controle da população local também foi um grande acerto da direção.
A trilha sonora também é uma estrela a parte do longa, o recém ganhador do Oscar Ludwig Göransson (Oppenheimer) está no comando desta parte da obra. O compositor acerta em cheio em compor uma trilha que está intimamente ligada a história que acompanhamos na tela, e além da inserção de acordes em momentos de tensão ou euforia, o Blues apresentado é apaixonante, que muitas vezes somos transportados para dentro da performance musical.
As atuações como em toda grande obra cinematográfica também estão de tirar o chapéu. Michael B. Jordan entrega uma das maiores atuações de sua carreira ao interpretar os gêmeos, dois personagens que apesar de idênticos são completamente diferentes com relação a carga dramática de suas histórias. Se destaca em seus personagens a grande capacidade de negociação e lábia de Fumaça e Fuligem, além do notado lema da dupla, que preferem ser temidos do que vítimas da discriminação. Outra grande atuação vai para o cantor e compositor Miles Caton que além de dono de uma performance musical magistral, também demonstra potencial na atuação. Se destacam também Saul Williams e Hailee Stenfield que entregam atuações seguras em seus personagens com dilemas pessoais.
Somente dois pontos me chamaram atenção negativa na obra, sobretudo nos momentos finais. No momento de maior tensão da trama, onde saídas pareciam impossíveis, um personagem lança mão de uma decisão pouco inteligente para enfrentar os vampiros, levando a sangrenta sequência final do longa. Essa ação está envolvida com uma das principais regras das histórias de vampiros, onde eles necessitam de convite para entrar em localidades. A parte final do longa nos reserva também a morte de certos personagens de maneira abrupta, desperdiçando personagens interessantes.
Pecadores não é apenas um filme de terror com vampiros, é uma experiência cinematográfica que mergulha fundo nas feridas de uma sociedade marcada pela segregação racial, usando elementos sobrenaturais como metáforas poderosas. A direção sensível e ousada de Ryan Coogler, aliada a uma trilha sonora marcante e atuações intensas, transforma essa obra em um grito de resistência. Ao combinar o terror visceral com a beleza e a dor do Blues, o filme nos transporta para um tempo onde sobreviver era, por si só, um ato político. A obra nos faz sair do cinema pensando, sentindo e, acima de tudo, admirando a forma como a arte pode provocar e curar ao mesmo tempo.