Antes do Filme
“Anjos de Cara Suja” (1938), “Scarface” (1932 e 1983), “O Poderoso Chefão” (1972), “Traffic” (2000) e “Narcos” (2015). Desde os primórdios do cinema há o interesse em narrativas sobre o tráfico de drogas e seus participantes, algumas delas focadas mais no impacto que essa “profissão” causa na psique humana, outras mais interessadas em apontar como a sociedade é afetada pelo tráfico.
E “Pássaros de Verão” é um brilhante exemplo dessa multiplicidade de narrativas. O longa, dirigido por Ciro Guerra e Cristina Gallego (a mesma dupla do indicado ao Oscar “O Abraço da Serpente”), tira o tráfico de drogas das mãos de “famiglias” mafiosas ou de traficantes latinos genéricos e o insere no contexto específico da etnia Wayúu.
Situados na região de Guajira, na Colômbia, o filme tem um olhar antropológico único sobre como o tráfico de drogas (especialmente a maconha) corroí as tradições locais, em uma trama que lembra o “Poderoso Chefão”, com sua ênfase na importância da família e das tradições enquanto o velho é substituído pelo novo.
Trama e Roteiro
Desde sua primeira cena, “Pássaros de Verão” busca imergir o espectador na cultura e nas crenças do Wayúu, mostrando um ritual que simboliza que Zaida (Natália Reyes) já atingiu a maioridade e agora pode ser vista por outros homens e se casar. Um dos homens interessados nela é Rapayet (José Acosta), que não só não tem meios de pagar o dote, mas também é visto com desconfiança por não ser de uma tribo Wayúu de renome.
O filme tem um trabalho de som primoroso, tanto no design de som – que realmente faz parecer que você está em Guajira com os personagens – quanto na trilha sonora, que incorpora elementos e instrumentos nativos em suas trilhas. O roteiro escrito por Maria Camila Arias e Jacques Toulemonde Vidal, divide o filme em cinco Cantos, retratando o ápice e a queda dos Wayúu. A estrutura da narrativa lembra a de “O Poderoso Chefão” e outras histórias similares. O roteiro entra a fundo na psique dos seus personagens e os estabelece como indivíduos com motivações específicas que obedecem um grupo maior.
O trunfo do filme certamente se encontra nesse desenvolvimento dos personagens e da história, que vai tomando contornos cada vez mais trágicos enquanto os personagens e a tribo Wayúu se veem no conflito entre o dinheiro e o materialismo que ele traz e as tradições ancestrais, que tem uma forte conexão com o sobrenatural.
Personagens e Atuações
O filme conta com grandes atuações, especialmente da veterana Carmina Martínez, que interpreta Úrsula, uma espécie de matriarca dos Wayúu. Ela consegue passar imponência e decisão com seus olhares, e traz toda uma aura consigo, que invoca a força da tradição dos Wayúu. José Vicente Cote tem um papel semelhante como Peregrino, mas tendo uma importância maior para o desenvolvimento de Rapayet.
José Acosta interpreta o protagonista Rapayet, é ele que começa o contrabando das drogas, junto com seu amigo Moisés (um intempestivo Jhon Narváez). Moisés, é um arijuna, um estrangeiro (pelo menos para os Wayúu) e isso eventualmente o leva a um conflito com Rapayet, que é um dos principais momentos do filme. E é muito interessante a maneira que o filme e Acosta retratam a crescente incerteza de Rapayet perante suas escolhas, levando a uma decisão trágica no fim da película.
O único ponto negativo acaba caindo na Zaida de Natália Reyes, uma personagem promissora que tem uma forte conexão com toda a espiritualidade dos Wayúu, mas que acaba sendo deixada de lado pelo roteiro.
Depois dos Créditos
“Pássaros de Verão” traz uma história fictícia (vários historiadores colombianos criticaram o filme) sobre o nascimento do tráfico de drogas na Colômbia. Pode parecer uma narrativa batida após algumas temporadas de “Narcos”. No entanto, o seu enfoque quase que antropológico na cultura dos Wayúu e a belíssima produção fazem o filme se destacar, e garantem que ele mereça ser lembrado na temporada de premiações.