Filme que narra a ascensão financeira e de reputação do ex-presidente e atual candidato à presidência dos EUA, Donald Trump, chega aos cinemas brasileiros esta semana.

Alvo de críticas por parte do candidato à presidência dos EUA, “O Aprendiz” foi descrito pelo próprio Donald Trump como “fajuto e sem classe” em sua rede social, a Truth Social. O filme conta a trajetória de transformação de Trump, de simples herdeiro a bilionário do ramo imobiliário, sem escrúpulos, que veio a se tornar presidente. Além de Trump, outra figura tem destaque absoluto durante a trama: Roy Cohn, advogado, amigo pessoal e mentor do republicano durante seus primeiros anos como empresário.

O longa estreia nos cinemas brasileiros no dia 17 de outubro. Nas telonas estadunidenses, o filme estreou uma semana antes.

Antes do Filme

A figura de Donald Trump, por si só, já é um ponto catalisador de atenção e polêmicas. Durante sua campanha e mandato como presidente, Trump acumulou declarações e ações controversas que dividiram não apenas os estadunidenses, mas o mundo inteiro. Às vésperas de um novo pleito, no dia 5 de novembro, o republicano aparece atrás da democrata Kamala Harris nas pesquisas — embora isso não garanta sua derrota, dado o peculiar modelo eleitoral americano.

E por que estamos falando disso antes do filme em que Sebastian Stan (o Soldado Invernal do universo Marvel) interpreta o bilionário?

No último dia 14 de outubro, Trump comentou sobre o filme em suas redes sociais, afirmando esperar que a produção fracasse nas bilheterias. O ex-presidente acusou os realizadores de tentarem interferir na eleição. “É um trabalho barato, difamatório e politicamente nojento, lançado bem antes da eleição presidencial de 2024 para tentar prejudicar o maior movimento político da história do nosso país”, declarou.

Além disso, em maio deste ano, o filme foi exibido no Festival de Cannes, onde recebeu uma ovação de pé por oito minutos. Em resposta, os advogados do candidato enviaram aos produtores uma carta de cessar e desistir após a sessão. As reações sugerem que, apesar de sua postura habitual, Trump “sentiu o golpe” e teme que o filme possa impactar o panorama eleitoral.

O longa foi escrito por Gabriel Sherman (Independence Day: O Ressurgimento) e dirigido pelo iraniano-dinamarquês Ali Abbasi, que recentemente comandou os dois últimos episódios da série The Last of Us, da Max.

Além de Sebastian Stan, o elenco conta com Jeremy Strong, estrela de Succession, e Maria Bakalova, conhecida por Morte Morte Morte e Borat: Fita de Cinema Seguinte.

Durante o Filme

O Aprendiz conta a história da ascensão de Donald Trump durante os anos 70 e 80. No início do filme, ele é retratado como um herdeiro ingênuo de um milionário do Queens, cuja fortuna foi construída no ramo imobiliário. Tudo começa a mudar a partir de seu primeiro encontro com o advogado nova-iorquino Roy Cohn, uma figura emblemática da vida política dos EUA no último século.

Cohn ficou conhecido por seu combate ao comunismo, notoriamente no caso de Julius e Ethel Rosenberg. Em 1951, o casal foi condenado por espionagem por enviar informações sobre a bomba atômica às autoridades soviéticas, enquanto Julius trabalhava no serviço militar americano. Ambos foram executados na cadeira elétrica, atraindo a atenção de figuras como J. Edgar Hoover, diretor do FBI, que recomendou Cohn ao senador Joseph McCarthy para as investigações anticomunistas no pós-guerra.

Ao conhecer Cohn, Trump tenta convencê-lo a ajudar seu pai e os negócios da família, que estavam sendo investigados pelo Departamento de Justiça dos EUA por discriminar inquilinos negros e catalogá-los com rótulos de “C” (colored).

Cohn se identifica com o caso e decide representá-lo pro bono, encerrando o inquérito com o pagamento de uma multa, sem que houvesse admissão de culpa. O filme resume as ideias de Cohn em três regras: atacar, atacar e atacar; não admitir nada e sempre negar tudo; e, não importa o que aconteça, declarar vitória — princípios que permanecem evidentes nas ações de Trump até hoje.

Com o apoio de Cohn, Trump se lança em empreendimentos audaciosos, enquanto o advogado usa sua influência política para favorecer o empresário. Juntos, eles ampliam os negócios imobiliários, fazem a fortuna da família crescer e marcam o início do relacionamento de Donald com sua primeira esposa, Ivana Trump.

Com o passar dos anos, Trump se torna uma figura constante nos tabloides americanos, tanto por suas ambições no mundo empresarial e envolvimentos com a elite obscura de Nova York, quanto por suas dívidas e conflitos com figuras públicas.

Cada vez mais ambicioso, Trump abandona Roy Cohn, que, naquela altura, já estava em decadência. Em 1986, a Suprema Corte de Nova York cassou a licença de Cohn por conduta antiética e antiprofissional, falsificação de documentos e roubode clientes. Simultaneamente, Cohn enfrentava complicações de saúde decorrentes do HIV. Embora fosse homossexual, ele nunca admitiu sua orientação publicamente, nem mesmo nos momentos finais, quando alegava estar com câncer de fígado. Roy morreu de forma solitária e triste

O filme também destaca a visão que Trump tem de si mesmo e sua relação problemática com Ivana. Enquanto o casamento passa por dificuldades, é Trump quem lida com baixa autoestima por estar gordo e careca. O Aprendiz inclui duas cenas particularmente desconfortáveis que exploram esses aspectos.

O desfecho do filme nos apresenta um Trump mais confiante do que jamais havia sido mostrado até ali, agora muito mais poderoso e ambicioso. Ele começa a se envolver com figuras da política nacional e a se imaginar como o agente político que, anos depois, o mundo conheceria.

Depois do Filme

Antes de começar a opinar sobre o filme, é importante destacar que as opiniões apresentadas no texto abaixo se referem apenas aos personagens retratados no longa. Embora eu tenha minha própria opinião formada sobre eles, prefiro deixá-la para outro momento.

Apesar de seguir a estrutura tradicional das cinebiografias ao contar um recorte da vida do bilionário, O Aprendiz me pareceu diferente de outras produções cinematográficas do gênero lançadas recentemente.

O filme adota um tom quase satírico sobre a figura do ex-presidente, e, em vários momentos, o desconforto e a desconexão com a realidade dos personagens tornam o projeto cômico.

Para comentar mais sobre isso, é preciso abordar um dos elefantes na sala: a cena do estupro de Ivana. Poucos segundos antes, as cenas que antecedem o ato revelam um ser humano frágil em todos os sentidos — um homem patético e incapaz de ceder a desejos e vontades que não sejam os dele.

Essa é, de fato, a mensagem mais clara do filme: a fome e a sede de poder, somadas a um sucesso baseado em ataques, mentiras, crimes e no uso da política para benefício próprio, moldam um ser humano que odeia todos aqueles que não se curvam a ele.

Em outro momento, uma cena mostra Trump passando por duas cirurgias estéticas: uma lipoaspiração e um procedimento para disfarçar a calvície. Ambos os procedimentos são negados pelo candidato republicano. As cenas são perturbadoras devido à maquiagem extremamente eficiente, que intensifica o impacto e contribui para um dos momentos mais pesados da trama.

O filme deixa completamente de lado qualquer pretensão de imparcialidade, caso isso ainda não tenha ficado claro. É impossível ser indiferente a ele, mesmo para aqueles que preferem manter a política fora de suas vidas. Tanto os apoiadores ferrenhos do republicano quanto seus opositores terão uma opinião formada. Isso porque, apesar do tom satírico e da crítica a figuras como Trump e Cohn, que utilizam o pensamento neoliberal e fascista para subjugar pessoas sob qualquer pretexto, o longa ainda conta a história da ascensão de um empresário bem-sucedido.

Sebastian Stan e Jeremy Strong entregam performances convincentes como Donald Trump. Stan transmite com maestria a evolução do personagem sob a mentoria de Cohn. Mesmo com o tom satírico do projeto, sua composição chama atenção pela sutileza nos trejeitos, frases e maneirismos, sem recorrer a uma imitação superficial do republicano.

A fotografia do filme utiliza com precisão jogos de câmera para criar uma linguagem quase documental, especialmente nos momentos em que a câmera na mão é empregada. Em outras cenas, câmeras próximas aos atores nos inserem ainda mais naquele universo, explorando seus olhares, que revelam alguma fragilidade, embora nunca de forma explícita. Filtros de cor e granulação ajudam a ambientar o projeto nas décadas de 70 e 80.

A direção de Ali Abbasi demonstra plena consciência do texto que tem em mãos e aproveita com habilidade o desconforto gerado por algumas situações, seja para provocar o riso ou intensificar o drama.

Eu gostei muito de O Aprendiz. Consegui me conectar com a história, e suas duas horas de duração passaram sem que eu perdesse a concentração. No entanto, é essencial ter consciência de que o longa não é um retrato definitivo sobre a figura de Donald Trump, tampouco 100% difamatório. Trata-se apenas de um recorte no tempo, que tem muito a dizer para quem estiver disposto a enxergar e ouvir, como um bom aprendiz.

8.5

NOTA

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