ANTES DO FILME
Nosferatu (2024) é um remake americano do clássico homônimo do expressionismo alemão, dirigido por Friedrich Wilhelm Murnau e lançado em 1922. Na época, o filme aterrorizou espectadores com sua estética inovadora, marcando o cinema de terror ainda em seus primórdios. A obra original é baseada no romance Drácula, de Bram Stoker, publicado em 1897, já que os herdeiros do escritor proibiram a realização de uma adaptação direta do livro.
Nesta releitura, o diretor Robert Eggers — conhecido por A Bruxa (2015), O Farol (2019) e O Homem do Norte (2022) — criou uma “carta de amor” ao gênero de horror, reimaginando e ampliando a mitologia do icônico vampiro no cinema.
A produção foi anunciada em 2015, logo após o sucesso do primeiro longa do diretor, mas enfrentou diversos imprevistos, como conflitos de agenda de atores inicialmente escalados para a produçao, incluindo Anya Taylor-Joy e Harry Styles, que chegaram a negociar suas participações no filme. Além disso, Eggers declarou em 2016 que um remake tão importante não poderia ser apenas seu segundo filme. “Parece feio, blasfemo, egomaníaco e nojento para um cineasta no meu lugar fazer Nosferatu”, afirmou ao portal Den of Geek.
O ator Bill Skarsgård dá vida ao icônico Conde Orlok, enquanto Lily-Rose Depp e Nicholas Hoult interpretam o casal Ellen e Thomas Hutter. O elenco principal ainda conta com Willem Dafoe, Emma Corrin, Aaron Taylor-Johnson e Ralph Ineson.
Nos Estados Unidos, Nosferatu estreia nos cinemas no dia de Natal (25/12), enquanto no Brasil o lançamento está marcado para 2 de janeiro de 2025.
DURANTE O FILME
O longa Nosferatu se passa na Alemanha, no século XIX, e primeiramente acompanha Thomas Hutter, enviado a negócios para o castelo do enigmático Conde Orlok, um nobre da Transilvânia que deseja adquirir uma mansão na cidade de Wisborg. Antes de partir, sua esposa Ellen, atormentada por pesadelos e sonambulismo, implora para que ele não viaje, temendo um presságio sombrio.
Durante sua jornada, Thomas enfrenta avisos de moradores locais sobre o mal que ronda as terras do Conde. Mesmo assim, decide continuar e chega ao castelo após eventos perturbadores no vilarejo onde pernoita. Lá, ele é recebido pelo estranho Orlok e, após assinar os contratos, torna-se vítima de um ataque misterioso.
Enquanto isso, Ellen, em Wisborg, sofre cada vez mais com seus episódios, despertando a preocupação de seus amigos Anna e Friedrich Harding, que buscam ajuda médica. O doutor Sieves, sem respostas, recorre ao professor Albin Eberhart Von Franz, um especialista em ciências ocultas, que descobre uma estranha a ligação de Ellen com uma entidade demoníaca ancestral.
DEPOIS DO FILME
Robert Eggers é daqueles cineastas cuja cinematografia é tão consistente que é praticamente impossível citar uma obra sua que seja muito discrepante das demais em relação à sua atenção aos detalhes. Desde sua estreia em A Bruxa, o diretor já mostrava alguns dos elementos que, dali em diante, iriam permear sua curta carreira até aqui. Entre eles, o que considero sua principal valência: a valorização da ambientação. Em Nosferatu, isso não seria diferente.
Sua visão para a criação de mundos já explorados artisticamente no audiovisual sempre traz, mesmo que sem grande novidade, um toque a mais para nos manter imersos na história que ele quer contar. Seria fácil apenas reproduzir as cidades, costumes e sotaques de uma cidade europeia no imaginário popular, mas aqui Eggers vai além e constroi o clima de tensão em todos microdetalhes
Toda a ampliação da mitologia demoníaca do monstro se torna um dos aspectos mais hipnotizantes do longa. É possível perceber o esforço da produção em aplicar símbolos, pentagramas, artefatos, rituais e ligações possessivas, entre outros elementos ligados a cultura romena, durante a narrativa. Tudo isso conecta a história ao sobrenatural para além da mera figura vampiresca.
A fotografia, com tons mais acinzentados e a aplicação de ruído à imagem, mantém uma certa essência do filme original, ainda que outros aspectos tragam o ar de novidade da adaptação. O trabalho com as sombras também é excepcional para criar uma atmosfera de ameaça constante que envolve os personagens.
Por falar em sombras, que atuação excelente de Bill Skarsgård (mais uma). O ator, além de estar irreconhecível devido à ótima maquiagem aplicada – com seus dedos e unhas características, um nariz avantajado e um grande bigode, novidade no visual do personagem – também consegue transmitir uma sensação misteriosa de imponência ao vampiro. Isso se dá por meio da voz, sotaque, posicionamento corporal e outros vários acertos da produção. A face do monstro só é visível com certa clareza após sua aparição para Ellen, na metade do filme.
Ainda sobre as atuações, Lily-Rose Depp me surpreendeu. O único trabalho da atriz que tive a oportunidade de assistir foi a pavorosa e de mau gosto série da HBO The Idol, onde ela interpreta a protagonista. Fui ao cinema, de certa forma, receoso para sua atuação, mas me surpreendi positivamente com as nuances de melancolia e desespero aplicadas à sua personagem. Além disso, nos momentos de possessão, ela consegue ser realmente assustadora.
Willem Dafoe e Ralph Ineson, figuras presentes em outros filmes do diretor, também executam seus papéis de maneira satisfatória, sem grandes novidades em relação ao que já conhecemos deles.
O filme é violentamente gráfico e possui nuances de sexualidade em torno da relação entre Ellen e o Conde Orlok – algo que faltava à obra original devido às limitações técnicas e aos costumes da época – Não faltam sangue e, muito menos, tensão sexual na relação entre Nosferatu e sua possuída, mesmo que se dê de maneira extremamente repugnante e asquerosa.
Quanto aos aspectos negativos da obra, não consigo evitar dizer que senti um certo arrasto na transição do desenvolvimento para a resolução do conflito. Talvez isso se deva ao fato de que alguns elementos da obra original não poderiam ser simplesmente ignorados. Contudo, acredito que faltou um olhar mais sensível para a passagem entre as sequências. Apesar disso, mesmo com 2h15 de duração, o filme passa rapidamente, sem muitas outras “barrigas”.
Além disso, falta “tempero” na relação do casal principal. A todo momento, eles reafirmam seu amor um pelo outro: Ellen constantemente menciona o quanto sente falta e teme pela vida de seu marido, e, após sua volta, continuam as declarações de afeto. No entanto, essa paixão é pouco retratada em tela e, quando aparece, parece extremamente morna e desprovida de intensidade.
Mesmo assim, esses aspectos negativos pouco interferem na sequência final que é impactante, tanto simbolicamente quanto graficamente. Mérito da qualidade da direção e do trabalho de adaptação de Robert Eggers.
Se o objetivo do diretor com esse remake era demonstrar seu carinho e paixão pelo cinema de horror – além de angariar milhões para a Universal, produtora do filme –, ele foi alcançado com maestria. A releitura de Eggers é sombria, irreverentemente gótica e poderosamente assustadora.