Crítica | Midsommar: O Mal Não Espera A Noite – Consegue superar Hereditário?

Dirigido por Ari Aster, diretor de Hereditário, Midsommar - O Mal Não Espera A Noite traz um constante clima de paranoia e lisergia, mas não é tão assustador como o anterior, o que não impede o filme de ser visualmente chocante e repleto de camadas.

Antes do Filme

O segundo filme é um momento crucial na carreira de um diretor. Normalmente, é ele que define se estamos diante de um autor ou não. Juntamente com Robert Eggers (A Bruxa, The Lighthouse), Ari Aster vem sendo aclamado por fazer parte de um movimento chamado de “pós-terror”. Nele, esqueça os jumpscares baratos e mergulhe no desconforto psicológico. Assim, após o excelente Hereditário (2018), muitas expectativas foram criadas diante do novo longa de Aster, Midsommar – O Mal Não Espera a Noite. Contudo, expectativas sempre são um problema.

Narrativa, Personagens e Atuações

A narrativa começa quando Dani Ardor (Florence Pugh, Lady Macbeth) descobre a perda seus pais, após sua irmã matá-los e, em seguida, cometer suicídio. Em depressão, ela é convidada por seu namorado, Christian (Jack Reynor, Transformers: A Era da Extinção), para uma viagem a Suécia. 

Como ponto de partida, eles vão visitar a comuna da família de Pelle (Vilhelm Blomgren), amigo de Christian, durante a celebração do solstício de verão (midsommar, em sueco). Acompanhados de Josh (William Jackson Harper, The Good Place) e Mark (Will Poulter, Black Mirror: Bandersnatch), o grupo descobrirá que a comunidade aparentemente hippie é um lugar de muitos segredos e repleto de lisergia.

Inegavelmente, um dos acertos de Midsommar é na criação da comunidade de Hårga. Com uma ambientação bucólica e paradisíaca, ela é cercada por uma imensurável floresta verde, dando a impressão de total desconexão com a realidade. Além disso, diversos animais, como bodes, são inseridos para dar vida ao ambiente. O figurino de Andrea Flesch capricha nas roupas brancas e angelicais da população local, sempre em contraste com o escuro dos forasteiros.

Um outro detalhe que recebe bastante atenção pelo departamento de arte de Csaba Lodi é a quantidade absurda de pinturas à mão que preenchem as paredes dos cenários. Aliás, o fato do primeiro plano de Midsommar ser uma sequência de pinturas, que se abrem como uma cortina de teatro, já indica que elas terão um papel fundamental na história. Afim de brincar com o espectador, Aster dá várias pistas da trama nestes desenhos, através do foreshadowing, dando a entender que a história vivida pelos protagonistas já ocorreu anteriormente e que tudo aquilo é um ciclo.

Da mesma forma, a direção de Ari Aster e cinematografia de Pawel Pogorzelski utilizam planos gerais que ressaltam a amplitude da vila. Em relação a outros aspectos, o diretor emula com eficiência um sensação de desnorteamento e paranoia nas sequências psicodélicas, seja posicionando a câmera atrás de Annie, como se ela estivesse sendo perseguida, ou distorcendo a realidade através de efeitos visuais. 

Outro artifício utilizado é a escolha de um longo campo de profundidade na cena do banquete. Com isso, o espaço é distorcido, fazendo com que a mesa pareça muito mais longa do que é. Ademais, a intervenção mais marcante de Aster se dá nos momentos antes da viagem, ao ressaltar o caráter surreal daquela aventura, seja quando faz um raccord do banheiro do apartamento com o do avião (mais do que uma elipse, é a entrada para uma outra dimensão) ou quando inverte a câmera na entrada da cidade, representando que aquele mundo estava de cabeça para baixo.

Entretanto, ainda que Midsommar consiga repetir o clima de constante perturbação e inquietação em crescendo de Hereditário, com seus diversos cortes secos, o filme falha em ser tão assustador quanto o anterior. Por mais que as sequências do segundo longa de Aster sirvam um propósito maior dentro de seu subtexto, sendo até mais viscerais e chocantes visualmente, o elemento de horror perde força. 

Sem dúvida, isso acontece porque Anne, a verdadeira protagonista, nunca está realmente ameaçada. Todos os perigos cercam apenas os outros personagens. Não só isso, mas Christian, Paul e Mark mostram-se egoístas e defeituosa, fazendo com que o mal que os assola não tenha o mesmo impacto sobre o público, que só cria simpatia pela recém-órfã. Pelo contrário, até torcemos para que nada de bom aconteça com eles. 

Por mais que Florence Pugh não seja Toni Collette, a atriz consegue evoluir muito bem da passividade para uma mulher forte e de atitude, com um louvável arco de evolução. Se há um ponto em comum entre as duas atrizes é o choro poderoso, ação que Aster parece gostar de pedir para suas protagonistas performarem.

Will Poulter faz o clássico homem-hétero “ogro”, repleto de piadinhas machistas (que não levam a lugar algum). Josh é o estudioso obcecado pela publicação de sua tese de antropologia, não fazendo questão de proteger a identidade da cultura local. Christian é, literalmente, o pior namorado do mundo. Agora fica mais claro porque não ligamos quando eles são ameaçados. Por outro lado, esse padrão nos personagens masculinos, conjuntamente com os acontecimentos de Midsommar, ajudam a entender o roteiro com um subtexto de vingança feminina contra relacionamento abusivo.

Sendo esta apenas uma das camadas interpretativas possíveis, o roteiro também aborda, principalmente, a questão cíclica da vida (o que é explicitado pelos próprios diálogos). Para aquela população, é mais digno suicidar-se aos 72 anos do que viver em um estado humilhante de velhice em um asilo. Toda essa visão vai de encontro com a jornada de Anne para encarar o luto. Ainda sobre simbolismo, a montagem subverte expectativas ao unir de maneira poderosa duas cenas tão contrastantes envolvendo emoções humanas, mas que acham seu ponto em comum na catarse. 

Depois dos Créditos

Em síntese, Midsommar – O Mal Não Espera A Noite mostra que Ari Aster está na lista de grandes diretores da década, mas também aponta para seus erros como roteirista. Ainda que tenha total controle na parte técnica e na construção de seu mundo diegético, o autor tropeça ao não entender que o público deve se importar com os personagens ameaçados de sua narrativa. Funcionando muito melhor dentro do gênero de vingança feminina do que do terror, o filme parece tímido para assumir essa camada. Quando fica claro do que ele quer tratar, já é tarde demais. 

 

Revisão: Raquel Severini

6.5

NOTA

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