Critica | It – Capítulo 2 – Apesar de bom, não alcança seu potencial total!

Com problemas para equilibrar a narrativa, o novo capítulo da obra-prima do terror falha em manter a qualidade de seu antecessor

Antes do filme

A segunda parte da nova adaptação cinematográfica da obra de Stephen King finalmente chega aos cinemas. Após o sucesso atingido pela primeira parte, as expectativas sobre o trabalho de Andy Muschietti são altas. Afinal, dado o estrelado elenco e o orçamento da produção, espera-se que a segunda parte seja ao menos tão boa quanto a primeira. Em geral, é possível dizer que as expectativas não foram atingidas.

Direção

Andy Muschietti retorna ao posto de diretor e dessa vez ele busca ser ainda mais ousado em sua experimentação. São utilizados diversas formas de movimentação de câmera e até mesmo mudanças na fotografia em momentos chave. O uso dos efeitos especiais é certeiro, servindo de maneira apropriada à narrativa.

O destaque positivo fica pelas sequências em que as ilusões de Pennywise (Bill Skarsgård) distorcem a realidade de maneira grotesca. Muschietti consegue utilizar os elementos visuais e sonoros para assustar e incomodar o público na medida certa. Nesse sentido, vale ressaltar que a trilha sonora segue o tom do primeiro capítulo, e as criaturas escatológicas estão ainda mais bizarras.

Mas nem tudo são balões de festa. Infelizmente, o diretor por vezes falha em executar de forma adequada a transição entre passado e presente. Esse, de fato, é um elemento importantíssimo da narrativa. Embora não seja algo que ponha em risco o entendimento da história, é um fator que poderia ser usado de maneira a gerar maior empatia. Afinal, embora os personagens sejam os mesmos, é necessário restabelecer a conexão entre público e o Clube dos Perdedores.

Sobre o Clube, os personagens presentes em It – Capítulo 2 são praticamente os mesmos do filme anterior. Resguardando maiores spoilers, é de bom grado discorrer sobre em que lugar da vida se encontra cada membro.

Personagens e atuações

Bill Denbrough (James McAvoy) se tornou um escritor e roteirista, venceu a gagueira e se casou com uma atriz. Há um paralelismo entre a carreira de Bill e do próprio Stephen King. Bill é constantemente criticado por conta do final de seus livros. A atuação de McAvoy é intensa nos momentos mais dramáticos de Bill, mas o roteiro não lhe permitiu manter a qualidade dramática ao longo do filme. Por exemplo, é difícil se convencer dos sentimentos que Bill deveria nutrir por Beverly Marsh (Jessica Chastain).

Beverly criou uma linha de moda com seu marido, mas seu relacionamento lembra a relação abusiva que ela tinha com seu pai. A atuação de Chastain é perfeita quando se trata de dar substância aos traumas da infância de Bev. Como dito anteriormente, sua relação de interesse amoroso com Bill não é tão convincente. Parte culpa do roteiro, parte culpa das atuações de Chastain e McAvoy.

Stanley Uris (Andy Bean) vive uma vida pacata. Seu trauma talvez seja o mais forte de todos do grupo. Ele é o que se mostra mais afetado pela notícia do retorno de Pennywise. Seu papel ao longo da narrativa é de suma importância para manter o grupo unido.

Eddie Kaspbrak (James Ransone) se tornou um analista de riscos, mantendo suas paranoias sobre saúde e higiene. Estranhamente, se casou com uma mulher que parece sua mãe. O trejeito descontrolado que nos foi apresentado pela atuação de Jack Dylan Grazer tem boa continuidade na atuação de Ransone. E isso fica claro durante seus encontros com Pennywise. O ponto negativo fica por conta da interação com Richie Tozier (Bill Hader), que não tem o mesmo timing cômico de suas versões infantis.

Falando em Richie, este talvez seja o mais solitário dos losers. Fato que é importante para o desenvolvimento narrativo do personagem. Ele se tornou um comediante de stand-up, com um humor similar ao mostrado por sua versão infantil (Finn Wolfhard). Infelizmente, a atuação de Bill Hader é a mais fraca do grupo. Isso impacta diretamente pontos cruciais da narrativa, principalmente em termos de empatia com os personagens.

Ben Hanscom (Jay Rian) provavelmente é o personagem mais equilibrado. A atuação de Jay Rian passa uma noção de continuidade entre os filmes e suas motivações permanecem claras. É interessante notar como o amadurecimento dos sentimentos que Ben nutre por Bev se dá de forma orgânica e natural.

Ademais, temos aquele que é responsável por reunir todos: Mike Hanlon (Isaiah Mustafa). Ele foi o único que permaneceu em Derry, pesquisando sobre a história de Pennywise e procurando um jeito de derrota-lo. Seu papel na trama é fundamental, uma vez que é ele quem percebe o retorno da Coisa após 27 anos e tenta reunir todo o grupo. A atuação de Isaiah não compromete, mas também não merece destaque específico.

Trama e narrativa

A trama de It – Capítulo 2 se inicia 27 anos após o embate entre o Loser’s Club e Pennywise. Derry continua sendo uma cidade de violência e intolerância, mas tudo piora com o despertar da Coisa. Mike, que durante todo esse tempo vem monitorando os acontecimentos na cidade, escuta pela rádio da polícia que um corpo desmembrado foi encontrado. No local do crime, Hanlon vê a mensagem provocante de vingança do palhaço que o atormentou no passado.

Uma vez que a Coisa está de volta, é tempo de todos cumprirem sua promessa de sangue. Mike entra em contato com cada um dos losers, que reagem de diferentes formas à notícia. Nenhum deles se lembra perfeitamente dos eventos da infância, mas os traumas ainda estão lá.

Quando o grupo se reúne finalmente é que as memórias começam a fluir. É ai que Pennywise começa a fazer seus primeiros movimentos. Essa cena é uma das mais escatológicas, graficamente falando, mas a sua montagem atrapalha a sensação de pânico que deveria ser a regra do momento. Esse é um problema que acontece algumas vezes.

O roteiro soube adaptar de maneira perspicaz a origem da Coisa, bem como o plano para derrota-la. Obviamente, em um primeiro momento cada personagem reage de forma diferente. As motivações de cada um para enfrentar ou não Pennywise estão diretamente relacionadas aos seus traumas e às memórias de infância que são mostradas como flashbacks.

Por vezes a transição entre passado e presente se dá de forma truncada e atrapalha a continuidade da construção de empatia entre os espectadores e essa nova versão do Clube dos Perdedores. Isso causa problemas inclusive para entender e se relacionar às decisões de cada um. Além disso, a forma com que as dificuldades são superadas, por vezes, também deixa a desejar.

São esses detalhes que atrapalham o andamento da narrativa. Nem mesmo as ótimas cenas de terror protagonizadas pela atuação magistral de Bill Skarsgård redimem esses problemas narrativos.

Terror melhor, história pior

A conclusão da obra-prima do medo em sua versão cinematográfica deixa um gosto amargo na boca. Afinal, existem muitos pontos positivos que merecem destaque. Principalmente do ponto de vista técnico. Contudo, a forma com que a narrativa falha em gerar uma ligação convincente com a versão adulta dos personagens não pode ser ignorada.

São elementos demais a serem trabalhados para motivar cada personagem, o que obriga o filme a ter muito cuidado com cada arco. Fica difícil, portanto, equilibrar cada história. Por exemplo, o arco de Bill é o mais inconstante, tendo ótimos momentos e outros demasiadamente apressados. O de Richie não alcança seu potencial completo, parte por conta da interpretação de Bill Hader.

Os bons momentos de emoção e o cuidado com os visuais aterrorizantes não são suficientes. Dessa forma, fica difícil colocar essa continuação no mesmo nível de seu antecessor.

Os fãs do material original de Stephen King provavelmente vão gostar das referências ao livro e das homenagens que o filme faz ao autor. Podem, inclusive, apreciar o filme como um complemento ao livro, mas, como obra independente, deixa muito a desejar.

Pennywise está de volta

6.5

NOTA

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