Crítica | Anna: O Perigo Tem Nome – Reviravoltas e espionagem na Guerra Fria

Cercado de reviravoltas e flashbacks, Luc Besson conta novamente a história de uma assassina em treinamento, assim como em Nikita, mas desta vez moderniza seus momentos de ação, inspirado por filmes como John Wick.

Antes do Filme

Atômica com Charlize Theron em 2017. Operação Red Sparrow com Jennifer Lawrence em 2018. Viúva Negra com Scarlett Johansson em 2020. E em 2019, o lançamento de Anna: O Perigo Tem Nome. Estaríamos presenciando o auge do subgênero ”espionagem feminina durante a Guerra Fria”? É justamente por isso que deve ser analisado qual o diferencial do novo filme de Luc Besson em relação às demais obras citadas acima.  

Não há mais como dizer que o diretor francês ainda é um fiel adepto do Cinéma du look — movimento cinematográfico que preza pelo estilo em favor da substância — como mostrou em O Profissional ou Nikita: Nascida Para Matar. Porém, há outro padrão ainda existente nos filmes de Besson. Suas protagonistas femininas são sempre contempladas e estudadas pela câmera. 

Inicialmente frágeis, elas se transformam em mulheres perigosas, que criam atitude e chacoalham o mundo ao seu redor. São, concomitantemente e paradoxalmente, criadoras do caos e restauradoras do equilíbrio. Há Anne Parillaud como a mortal assassina Nikita. Há Natalie Portman como a não-tão-inocente Matilda. Há Milla Jovovich, que representou tanto o Quinto Elemento quanto a histórica Joana d’Arc. Em Anna: O Perigo Tem Nome, a nova femme fatale bessoniana é Sasha Luss, uma ex-modelo.

Enredo e Trama

Na União Soviética, um agente de modelos francês descobre a belíssima vendedora de matrioska — boneca russa que contém outras bonecas menores dentro de si — Anna (Sasha Luss, Valerian e a Cidade dos Mil Planetas). Após uma rápida promessa de melhora de vida, a jovem aceita ir com ele. Uma montagem dinâmica e um avanço temporal de 3 meses mostram como Anna adaptou-se ao mundo da moda e está tendo um caso com um importante empresário russo. Entretanto, tudo muda quando, em um encontro reservado, a modelo saca uma arma silenciosa e mata o homem. Após um intrusivo flashback na narrativa, descobre-se que Anna, na verdade, era uma assassina da KGB.   

Essa não é a única interrupção da narrativa para contar uma sequência do passado omitida anteriormente. O recurso é utilizado até a exaustão e nem sempre funciona, exatamente pela previsibilidade gerada pela repetição. Se há algo que Besson merece créditos é pela maneira como ele desconstrói aparentes furos de roteiro para uma posterior correção em flashbacks. Se um certo personagem parece ser convencido facilmente a fazer algo ou se uma assassina profissional esquece um relógio durante o crime, tudo é proposital aqui. Não existem pontas soltas.

Por mais que Anna: O Perigo Tem Nome não seja uma releitura de Nikita: Nascida Para Matar, inúmeras referências são feitas a obra que lançou a carreira do diretor. A primeira missão de Anna, assim como de Nikita, é matar um alvo em um restaurante. Além disso, é mencionado rapidamente um personagem que é uma espécie de “homem das limpezas” (cleaner), tal como Jean Reno foi tanto em Nikita quanto em O Profissional. Já quando se trata das protagonistas, o paralelismo fica ainda mais claro. Ambas possuem um passado criminal e, quando capturadas, são oferecidas a escolha entre a morte e a opção de se tornar agente de um serviço secreto, o que, na prática, é o mesmo que ser uma prisioneira eterna.

Aliás, tal cena do restaurante é a mais marcante do longa-metragem, sendo um espetáculo visual gerado por uma longa sequência com poucos cortes, uma ação frenética, o uso de diversos elementos do restaurante (garfos e pratos) para gerar mortes épicas, além de uma mira perfeita de Anna. Resumidamente, é a fórmula John Wick aplicada perfeitamente aqui e em outros momentos do filme. 

Personagens e Atuações

Com seus marcantes olhos azuis, a novata Sasha Luss consegue funcionar majoritariamente, seja nos momentos dramáticos de seu passado, quando está visualmente vulnerável e desgastada, ou quando manipula os outros ao seu redor. Besson sabe da beleza da atriz (afinal, ela é ex-modelo) e utiliza sempre de enquadramentos fechados que ressaltam o mar azul de sua dama fatal. Uma pena que todo o roteiro (também escrito pelo diretor) falhe ao tentar aprofundar Anna. Seu passado é explicitado através de flashbacks em tom sépia clichê e é preciso que seja exteriorizado pela própria personagem que sua personalidade é como se fosse uma matrioska, com várias camadas. Como se já não fosse óbvio. 

Anna está no meio de um cabo de guerra cujas extremidades são Lenny (Cillian Murphy, Batman Begins), agente da CIA, e Alex (Luke Evans, Velozes e Furiosos 6), agente da KGB. Basicamente, os personagens servem como parte do jogo de manipulação da espiã. O sotaque russo de Evans está péssimo e qualquer diálogo explicando que o personagem era, na verdade, um desertor britânico para a Rússia teria diminuído essa vergonha alheia. Há um encontro envolvendo os dois que gera uma comicidade inesperada. Completa o elenco Olga (Helen Mirren, Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw), tutora que funciona como uma mãe substituta para Anna. Sua meticulosidade e rigidez geram uma divertida química com Luss.

Depois dos Créditos

Brincando e extrapolando ao máximo elementos clássicos dos filmes de espionagem, como as constantes traições, Anna: O Perigo Tem Nome observa, de maneira consciente, até onde vai a paciência do espectador com suas reviravoltas. O diretor Luc Besson tenta emplacar Sasha Luss como sua nova femme fatale, gerando um resultado satisfatório nesse aspecto. Tendo a montagem não-linear como grande aliada, o desembaralhamento da linha cronológica mostra como a história é bem simples. O filme também não se salva de diálogos clichês. Não se engane, uma frase como “Nunca confie em homens, Anna. Confie em você” pode parecer empoderadora dentro da tela, mas soa cínica quando olhamos para as nove acusações de estupro enfrentadas por Besson. 

7

NOTA

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