Alguns filmes não tem cenas de ação empolgantes, nem efeitos visuais impressionantes, ou tramas complexas cheias de reviravoltas e plot twists. As vezes um filme é simples e despretensioso, seu único objetivo é apresentar um tema e discuti-lo, quase uma tese filmada.
Esse é o caso do filme Lucky. Um filme curto que com bom humor, discute a velhice, como ela nos afeta, não só física, mas psicológica e filosoficamente também. Afinal, o que se passa na cabeça de uma pessoa quando ela sabe que seu tempo está acabando ?
Na trama esse tema é abordado através de Lucky, que é interpretado pelo ator Harry Dean Stanton que infelizmente faleceu em setembro desse ano. Somos apresentados a rotina do peculiar senhor, que todos os dias acorda cedo, faz seu exercícios matinais, vai para o café da cidade jogar palavras cruzadas, compra leite no mercadinho local e a noite vai para o bar beber e conversar com seus amigos.
Essa rotina é interrompida num dia em que o homem desmaia repentinamente em sua cozinha. A causa, de acordo com o médico é simples, Lucky está ficando velho e seu corpo está enfraquecendo. Em outras palavras, mesmo com uma boa saúde, apesar de fumar como uma locomotiva, o corpo de Lucky está morrendo aos poucos, pois ninguém vive para sempre.
A partir daí vemos a interação do protagonista com o mundo a sua volta mudar, ele começa a se abrir a novas experiências, como fumar maconha com a garçonete do café que sempre frequenta, ir a festa de aniversário do filho da dona do mercadinho, e lá ainda se permitir amar, na bela cena em que faz uma serenata para a avó do aniversariante, e fazer as pazes com um advogado (Ron Livingston) com quem tem uma conversa interessantíssima sobre a mortalidade.
Além de se abrir ao novo, Lucky faz as pazes com o passado, desde o passado na guerra quando Lucky divide um diálogo emocionante com outro veterano (Tom Skerritt), quanto coisas simples como o fato de ter matado um passarinho quando criança.
E por último, a jornada do velho se conclui quando ele tem um diálogo com seu amigo de bar, Howard (David Lynch), sobre a fuga da tartaruga de seu amigo e como ela deve ser deixada livre. A tartaruga por sinal é um signo constantemente presente no filme, sempre representando longevidade e o desejo inicial do protagonista de ter uma vida mais longa. A fuga do animal é vista no começo do filme e pode significar o desbalanceamento na vida do protagonista, assim como no final, quando ele resolve seus dilemas e vemos a tartaruga retornando para o dono.
E nos últimos momentos do filme, o que começa com uma conversa sobre o sumiço de uma tartaruga, culmina em um discurso de Lucky para todos os seus amigos de bebida, no melhor estilo filosofia de boteco, em que o filme chega ao auge de sua discussão existencialista e beira o absurdismo de Camus, quando o protagonista fala que quando encaramos o fato de que nada é eterno, e tudo inevitavelmente vai chegar a um fim, devemos sorrir.
Toda essa jornada espiritual de um idoso ateu, é ambientada em uma microcidade no meio do deserto, sua fotografia, e trilha sonora, com uma gaita sempre presente, remetem muito ao estilo Western. Assim como o protagonista que começa lembrando o estereótipo do cowboy durão, mas é aos poucos desconstruído.
Por fim Lucky é um filme lento e sem grandes acontecimentos, que com bom humor, narra a jornada de um velho que encara sua própria mortalidade. Pode não ser o melhor ou maior filme do ano, mas com certeza é um dos mais interessantes, justamente pela forma simples que conta uma boa história.