Crítica | Rainhas do Crime – Quando a mensagem importa mais que a narrativa

Baseado em uma história em quadrinhos da DC Comics, Rainhas do Crime é um óbvio filme sobre empoderamento feminino que em poucos momentos funciona como um verdadeiro filme de Máfia

Antes do Filme

Assim que Rainhas do Crime começa, temos uma visão superior da Nova York dos anos 70. Típico da época, a noite era iluminada pelos letreiros em neon. Como a versão norte-americana do título indica, The Kitchen se passa no bairro de Hell’s Kitchen. Se o nome soa familiar, é porque heróis como Demolidor e Jessica Jones, além do aclamado filme Taxi Driver, estão todos localizados no ambiente dominado por descendentes de irlandeses. 

Baseada na minissérie em quadrinhos criada pela Vertigo Comics (vertente da DC Comics responsável por Constantine, V de Vingança e outros), a adaptação cinematográfica não demora para indicar sobre o que se trata: ao som da música It’s a Man’s Man’s World — a escolha da versão de Etta James e não a do James Dean já é bem significativa — surge uma sequência em edição paralela que mostra Kathy (Melissa McCarthy, Poderia Me Perdoar?), Claire (Elizabeth Moss, The Handmaid’s Tale) e Ruby (Tiffany Haddish, Viagem das Garotas) sofrendo por conta de seus casamentos.

Enredo e Trama

O marido de Kathy é um pai ausente; o de Claire é um agressor alcoólatra e o de Ruby permite que sua mãe idosa seja racista com ela. Mas, além de péssimos maridos, o que esses homens possuem em comum? O trio, parte da máfia irlandesa que controla o bairro, decide realizar um assalto que dá errado. Com suas prisões e a pouca pensão paga pelo chefe da milícia, suas mulheres estão cansadas de depender de homens. Por isso, elas irão às ruas coletar dinheiro por conta própria e assumir o controle de Hell’s Kitchen.

Dentre os diversos problemas de Rainhas do Crime, a indecisão quanto ao seu gênero é um dos maiores deles. Ele não sabe se quer ser uma comédia, um drama ou um thriller de crime. Há momentos bobos demais, mas há cenas que tentam emular o clima de um longa de Martin Scorsese. A edição parece acreditar que se trata de uma comédia, como na rápida montagem que mostra as mulheres extorquindo os lojistas intercalado com uma dança. A conservadora direção de Andrea Berloff (co-roteirista de Straight Outta Compton) tampouco ajuda a definir o tom de sua estreia atrás das câmeras.   

Apesar do roteiro ser character-driven, ou seja, o que importa são as protagonistas e não a trama, a falta de um verdadeiro antagonista deixa a história mais monótona e menos ameaçadora. A conquista do bairro pelas mulheres, por exemplo, parece ser ridiculamente fácil. Quando, no terceiro ato, os maridos são liberados da prisão, o tardio reaparecimento dos personagens não é o suficiente para estabelecê-los como um verdadeiro perigo. É até possível interpretar que a sociedade opressora sexista é a grande vilã aqui, mas não é o suficiente em termos de narrativa. 

Aliás, vale dizer que, por um ponto de vista, o filme não precisa de antagonistas, pois a experiência com o poder afeta negativamente Kathy, Claire e Ruby. É interessante como as protagonistas evoluem da submissão para o empoderamento. No entanto, ainda que consigam subverter o patriarcado de Hell’s Kitchen, não é possível esquecer que elas são criminosas. Dinheiro ilegal e influência levam à uma trilha de sangue e morte da qual não é possível escapar e elas descobrem isso da pior forma. Essa dualidade entre uma vida marginalizada juntamente com o fato de essa ser a única forma que elas conseguiram se impor neste meio cria um bom conflito moral na mente do espectador.

Personagens e Atuações

Entre as protagonistas, por incrível que pareça, a que faz um melhor trabalho é a menos badalada Tiffany Hadish. A atriz traz uma autoconfiança e segurança para Ruby, que mesmo quando sentada e as outras duas em pé, parece ser a mais ameaçadora em cena com apenas um levantar de sobrancelhas. Vale destacar a participação da excelente Margo Martindale (Justified), como sua sogra racista e que poderia ter sido tranquilamente a vilã do filme. Já Melissa McCarthy vêm crescendo como uma atriz dramática e cada vez menos de comédia, mas diálogos expositivos impedem que ela tenha uma cena de destaque até o terceiro ato.

Fechando o trio, Elizabeth Moss fica com o posto de maior decepção. Isso porque sempre esperamos grandes coisas dela. Possuindo o maior arco dramático, envolvendo abuso doméstico, a transformação da personagem é apressada demais. Quando assumem o poder do bairro, Claire não parece carregar mais nenhum trauma do passado. A aparição do veterano de guerra, Gabriel (Domhnall Gleeson, General Hux em Star Wars: Despertar da Força), prejudica seu desenvolvimento também. Eles formam um casal de psicopatas, mas Gleeson está tão apático que afunda Moss consigo.

Depois dos Créditos

Apesar de ter a classificação indicativa R (restrita para menores de 17) nos Estados Unidos, The Kitchen parece nunca abraçar completamente seu lado sombrio. Em sua estreia, a diretora Andrea Berloff tenta agradar a mais de um público que está indo ver seu filme, gerando uma mistura que não funciona. Também como roteirista, há o uso de diversos diálogos expositivos e frases de efeito jogadas randomicamente durante as cenas.

Por mais que temáticas sociais e a consciência de gênero, felizmente, estejam crescendo dentro da indústria cinematográfica, filmes não podem ser apenas propagandas expositivas. Ao fim dos créditos, a coisa mais marcante de Rainhas do Crime  é sua mensagem empoderadora. Isso é um mau sinal, pois indica que todo o resto não impressionou. 

 

Revisão: Raquel Severini

4.5

NOTA

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