Antes do Filme
Wilson Simonal era um cantor brasileiro da década de 60 e 70, muito famoso por suas músicas dançantes e seu suingue, sendo conhecido como o Rei da Pilantragem. Simonal era um artista negro de destaque (seus discos rivalizavam em vendas com Roberto Carlos!) e foi um dos maiores nomes da música brasileira do século passado, até cair no ostracismo após ser considerado dedo duro e informante da ditadura.
“Simonal”, dirigido por Leonardo Domingues com Fabrício Boliveira no papel principal, busca trazer a memória e a música de Wilson Simonal para as audiências modernas, trabalho já parcialmente iniciado pelo documentário “Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei”. O filme conta uma nova versão para o caso com o DOPS que desgraçou sua carreira artística, mesmo que nunca se aprofundando completamente nas contradições de Simonal tanto quanto pessoa como artista.
Trama e Roteiro
O filme foca inteiramente em um período dos Anos 60 e 70, do começo carreira de Simonal, quando estava em uma banda com seu amigo Moran (Silvio Guindane), passando pelo sucesso a apogeu até chegar no caso com o DOPS que o condenou ao ostracismo. O roteiro, escrito por Leonardo Domingues com Victor Atherino tem sua visão completamente focada em Simonal e no astro que foi, dando pouco espaço para o contexto social e pessoal a sua volta, o que poderia enriquecer o filme e nos trazer um maior entendimento da pessoa que foi Simonal, do que o motivava e no que acreditava. Por exemplo, Simonal, um homem negro da favela do Rio de Janeiro, só demonstra interesse em mulheres brancas, loiras e de classe média, seja sua esposa Tereza (Ísis Valverde) ou suas inúmeras amantes, e é claro que existe uma questão social e racial por trás disso, mas o filme nunca engaja nessas discussões. A mesma coisa com a questão da ditadura e do racismo, duas coisas inquestionáveis no Brasil e que afetaram a carreira de Simonal, mas que raramente tem um espaço apropriado em cena, aparecendo apenas quando necessário para a trama, mas sem uma base aprofundada no filme sobre essas questões. Mesmo que o filme proclame falar sobre o racismo no Brasil e como ele afetou a carreira de Simonal, o longa trata a questão quase a conta-gotas.
O principal foco da trama é no desenvolvimento da carreira de Simonal, passando dos seus tempos de Dry Boy, seu trabalho como assistente de Carlos Imperial (Leandro Hassum), até seus sucessos no Beco da Garrafa e, eventualmente, com seu próprio programa na televisão. A edição do filme é muito ágil, sem deixar o filme ficar arrastado e fazendo as transições de cena de maneira dinâmica, sem mencionar os inserts de capas de jornais da época e de cenas de arquivo, que ajudam o espectador a entrar na ambientação de época. A fotografia do filme, assinada por Pablo Baião, é muito vistosa, apostando em cores fortes e em ângulos ágeis, fazendo tudo para você entrar no suingue de Simonal. Outro destaque positivo vai para a edição de som, que combina e sincroniza perfeitamente as músicas de Simonal com as sequências e com a boca de Fabrício Boliveira, que apenas faz lip sync das canções.
Personagens e Atuações
Fabrício Boliveira é a grande estrela do filme. Ele incorpora o estilo despojado e malando de Simonal com facilidade, sem nunca parecer forçado. Todo o filme se ancora no seu personagem e na sua atuação, e Boliveira não desaponta, entregando um Simonal que faz jus ao título de Rei da Pilantragem – veja só a cena que ele bota a plateia de seu programa para cantar, sai do placo para tomar um whisky no bar, e volta cinco muitos depois e a plateia ainda está cantando – esse era o nível do carisma de Simonal e Boliveira “vende” totalmente esse personagem para a audiência.
Outro destaque do filme fica para a participação de Leandro Hassum como Carlos Imperial, famoso produtor musical da época. Hassum o interpreta de maneira despojada e faz com que as poucas cenas do personagem se destaquem. Silvio Guindane é um bom ator e faz o possível para dar credibilidade ao seu Moran, mas o personagem tem pouquíssimas cenas, o que também prejudica o próprio desenrolar do filme em uma discussão de Moran com Simonal, que deveria ser um momento importante para o desenvolvimento do cantor, mas que se torna raso pelo pouco desenvolvimento da relação dos dois.
Ísis Valverde repete dupla com Fabrício Boliveira, com quem já atuou em “Faroeste Caboclo”, e interpreta Tereza, esposa de Simonal. É um papel que começa de maneira interessante, mostrando um lado mais participativo da personagem na história de Simonal e uma individualidade da própria Tereza, mas que no fim acaba reduzido a uma esposa que está lá apenas para brigar e ser esquecida pelo marido. O que é uma pena, pois Ísis está muito bem no papel e tem boa química com Boliveira.
Depois dos Créditos
Simonal é uma obra claramente feita com paixão pelo personagem título, que busca reavaliar o julgamento do cantor perante a sociedade e valorizar o músico e sua obra. É um longa feito com um primor e um nível de produção que não deixa a desejar frente a uma produção estrangeira e que é valorizado pela atuação magnética de Fabrício Boliveira.
No entanto, a história de Simonal é mais complexa do que um “simples” caso de um artista que já caiu em desgraça, algo que já aconteceu com muitos que habitam sobre o holofote da fama. A vida e carreira de Simonal estão diretamente ligadas com a história da música brasileira e do próprio Brasil. São temas como o racismo da sociedade brasileira, a ditadura militar e sua relação perniciosa com a indústria cultural, enfim, temas complexos que o filme escolhe deixar de lado, ou ao menos não se aprofunda tanto devido ao seu deslumbramento com o personagem, o que é uma pena, pois esses temas não só enriqueceriam o longa, como trariam uma maior compreensão do homem que foi Simonal. Ao fim do longa, nós certamente iremos conhecer o astro que foi Simonal, já o homem? Nem tanto.
Corrigido por: Raquel Severini.