Review | Dear White People (3ª temporada) – Nova fórmula e falta de foco narrativo não funcionam

Apostando em personagens secundários e terciários, a terceira temporada de Dear White People esquece acontecimentos de seus anos anteriores e sofre principalmente por uma falta de rumo em sua história principal.

ALERTA: A crítica a seguir contém spoilers da 1ª e 2ª temporadas de Dear White People!

Antes da Temporada

Dear White People é uma série de drama e comédia, produzida pela Netflix desde 2017. Ela é baseada no filme de mesmo nome, lançado em 2014, que está disponível no canal de streaming. A trama foca no dia-a-dia de um grupo de jovens negros em uma universidade de elite nos Estados Unidos, retratando como o racismo ainda insiste em persistir nos dias atuais. Produzida, co-escrita e co-dirigida por Justin Simien, também responsável pelo filme, sua adaptação possui episódios de 30 minutos e chegou a sua terceira temporada com 10 episódios.

A primeira temporada apresentou seus personagens através de uma estrutura narrativa onde cada episódio focava em um ponto de vista diferente. Sua trama principal flutuou ao redor de dois grandes acontecimentos: uma festa blackface — onde brancos se maquiam de negros — e Reggie (Marque Richardson, True Blood) tendo uma arma apontada em seu rosto por um policial. Já na temporada seguinte, Sam (Logan Browning, Bratz: O Filme) está sendo atacada racialmente por uma conta fake virtual e investiga a existência de uma sociedade secreta formada por negros, chamada Ordem dos X. 

Enredo e Trama

Logo de imediato é perceptível uma mudança no Volume 3 de Dear White People. Entre elas, não há mais a irônica narração que conduzia os episódios, na voz marcante do Narrador (Giancarlo Esposito, o Gus Fring em Breaking Bad). Afinal, ao fim da segunda temporada, houve uma corajosa e inovadora decisão do roteiro, transformando essa locução, presumidamente em off, em um personagem existente. O Narrador, na verdade, é um membro da Ordem dos X. Encerrando a temporada anterior e iniciando a atual, esse personagem e sua subtrama são deixados de lado por boa parte do tempo. A decisão de adicionar uma organização secreta à la Illuminati já havia sido uma infeliz escolha, pois tira bastante da verossimilhança proposta desde os primórdios do roteiro. No entanto, se ela já havia sido introduzida, deveria, ao menos, ser melhor desenvolvida.

Além disso, a abertura também foi alterada. Não há mais uma montagem com um personagem diferente ao lado do nome dos episódios. É uma mensagem para nós, espectadores. Desta vez, o foco é em todos. Abandona-se a estrutura individualista para um coletivismo. Entretanto, na prática, a divisão é mal executada. Quando sabíamos que um episódio seria focado em Sam, por exemplo, seria normal uma menor participação de Coco (Antoinette Robertson, Hart of Dixie). Agora, sem um norte para se guiar, o tempo de tela não parece igualmente dividido e personagens antes importantes estão em segundo plano.

Todas essas novidades não importariam se Dear White People acertasse na história que move seu terceiro ano. Ainda que anteriormente cada capítulo destacasse um protagonista, eles eram sobre como este reagiria a um dos acontecimentos principais da trama. Agora, não há mais um elemento central que une as histórias. A equipe criativa decidiu adotar praticamente uma estrutura procedimental de comédia histórias autoconclusivas e que não se conectam umas com as outras — que retira o elemento de urgência e gera a sensação de que os estudantes não estão saindo do lugar. Ainda que isso seja corrigido e haja um rumo no final da temporada, já é tarde demais para se redimir.

Outro grande mérito da produção da Netflix era a maneira como abordava suas temáticas. Apesar de ainda continuar abordando diversos assuntos importantes e atuais como abuso sexual, vício na tecnologia, pouca voz para mulheres em ambientes masculinos ou o preconceito com a AIDS, não há nenhuma cena marcante, apenas abordagens óbvias. Não há sequências poderosas dramaticamente como Reggie podendo ser atingido por um tiro ou a intensa briga de Sam e Gabe. Pelo menos, se serve de consolo para alguém, as paródias com outros programas de TV continuam excelentes e há engraçadíssimas sátiras com The Handmaid’s Tale e Queer Eye.

Personagens e Atuações

Logo após a primeira cena do encontro entre Sam, Narrador e Lionel (DeRon Horton, American Vandal) há um avanço temporal de 3 meses. O pulo serve de manobra para que o roteiro consiga tirar os personagens de problemas anteriores e colocá-los em novas situações. Se você espera que Reggie ainda sofra de síndrome de pânico; Troy (Brandon P Bell, Traitors) esteja enfrentando problemas com drogas e Coco lide com o aborto, já adianto que haverá decepção. Silvio como dono da conta anônima? Esqueça, nada disso importa na cabeça dos roteiristas, que não parecem entender de coesão narrativa. Entre os poucos assuntos retomados está o luto de Sam, dando espaço para que Logan Browning consiga quebrar aos poucos a falsa percepção de Sam como uma pessoa invulnerável.

Aliás, de longe, Sam foi a personagem que mais sofreu mudanças. Indo de pessoa mais militante do campus para a aluna ocupada com sua tese em documentário, ela se afasta das intrigas e vemos uma versão sua muito mais relaxada e focada. A troca de cenário permitiu que ela evoluísse em uma jornada de autoconhecimento, enfrentando problemas mal resolvidos do passado. Já Gabe (John Patrick Amedori, Aaron Rose em Gossip Girl) é simplificado à clichê situação do protagonista rico que deve conhecer as dificuldades do mundo real após problemas financeiras.

Expandindo ainda mais seu próprio universo, figuras que poderiam ser consideradas terciárias ou secundárias ganharam um espaço bem maior de tela. Brooke (Courtney Sauls, V L O G), antiga parceira de Lionel no The Independent, está determinada em conseguir um furo de sucesso no jornalismo e desenvolve algo com Kelsey (Nia Jervier, Step Sisters). Muffy (Caitlin Carver; Eu, Tonya), amiga de Coco, está envolvida em problemas com um professor e Abigail (Sheridian Pierce, Um Dia de Cada Vez) tenta ganhar voz em um ambiente masculino. Ora, até o reitor Fairbanks (Obba Babatundé, Miss Ever’s Boys) é colocado em uma situação amorosa.

Uma pena que nenhum deles seja carismático o suficiente para se consolidar como a nova cara de Dear White People. A terceira temporada sentiu grande falta de suas figuras habituais em papéis mais relevantes. Da leva antiga, os únicos que tiveram um desenvolvimento satisfatório, além de Sam, foi o casal Reggie e Joelle (Ashley Blaine Featherson, Hello Cupid). Lionel continuou preso à subtrama de não se encontrar dentro do universo homossexual, Coco à busca por uma recomendação de um professor e Troy como um piadista de revista. A principal nova cara do elenco é D’unte (Griffin Matthews, #Screamers), amigo de Lionel e viciado em jogar shade (indireta), sendo uma figura bem irritante. Há uma rápida participação de Yvette Nicole Brown (Shirley em Community), como mãe de Coco, roubando todo o brilho para si quando aparece através do humor.

Depois dos Créditos

Com diversas pontas soltas para uma possível quarta temporada, Dear White People passa por mudanças que não agradam em sua nova temporada. Seja pela falta de uma trama principal que leve a história para frente ou pelo protagonismo assumido por personagens desinteressantes e antigamente secundários, é possível dizer que a terceira temporada chega ser tediosa em alguns momentos. Há pequenos acertos ali e aqui, mas o saldo geral é negativo. Se Dear White People continuar a insistir em ser uma comédia de universitários, será apenas mais uma do gênero no mercado. Caso decida voltar a ser o drama potente com momentos de humor, comédia e sátira, será uma das melhores. 

 

Revisão: Raquel Severini

5

NOTA

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