Crítica | O Tradutor

Longa dos irmãos Barriuso emociona com direção firme em filme sobre seu pai

Antes do filme

No século passado, um dos momentos mais tensos depois da Segunda Guerra Mundial foi a Guerra Fria. A constante preocupação de uma guerra nuclear entre os eixos do capitalismo e do comunismo renderam diversos filmes críticos as ambas ideologias, fosse a favor ou contra. Passada a situação, hoje em dia muitos filmes abordam a época em questão, alguns com um tom mais fantasioso como filmes de espionagem e de super-heróis, outros com um tom mais sério e próximo da realidade, como “O Tradutor”.

Neste filme, a história é baseada em fatos reais, mais precisamente contando a história do pai de Rodrigo Barriuso e Sebástian Barriuso, diretores do filme.  O filme é uma homenagem ao pai e os dilemas que o mesmo enfrentou após ser realocado da universidade onde trabalhava para atuar como tradutor em um hospital que tratava de crianças vítimas do acidente de Chernobyl.

Personagens e atuações

Trabalhando na Universidade de Havana, Malin (Rodrigo Santoro) é um professor de literatura russa que é obrigado a trabalhar como tradutor para crianças vítimas do desastre nuclear de Chernobyl, quando elas são enviadas até Cuba para tratamento médico.  Mesmo estando insatisfeito com a mudança forçada em seu estilo de vida e querer distância do ambiente mórbido e triste que é o hospital com crianças enfermas, Malin acaba tendo que fazer o trabalho e, aos poucos, começa a se apegar pelas crianças do local. Vale destacar que durante todo o longa, Rodrigo Santoro realiza um trabalho impecável no que diz respeito a domínio de língua estrangeira. O ator, conhecido por seus trabalhos em Hollywood e em séries como Westworld, durante todo o longa se comunica apenas em espanhol e russo, idioma que o ator estudou durante meses para o papel.

O carisma e carinho de seu personagem para com as crianças no hospital são fortes aliadas para o sentimento de esperança no qual o personagem cultiva, apesar de que no final, Malin volta para seu trabalho normal como professor na Universidade de Havana e é obrigado a se afastar das crianças, e as poucas com a qual ele desenvolveu um laço afetivo forte acabam falecendo.

Maricel Álvarez, que interpreta a personagem Gladys, também dá um show no filme. Sua personagem é uma enfermeira coadjuvante que dá auxílio para Malin nas questões administrativas e com o passar do tempo, em suas crises internas. Mas diferente de nos apresentar ao universo do hospital e talvez um pouco da história das crianças, a personagem serve como um ponto de realidade para trazer o espectador de volta para a atmosfera sombria do longa, e lembrar que a chance de salvação dessas crianças é quase zero. Em certos pontos o longa também parece querer transformar Gladys em uma espécie de interesse amoroso para Malin, mas nunca desenvolve tal aspecto.

A Narrativa

Sendo a primeira vez na qual os irmãos co-dirigem um longa, o produto final de “O Tradutor” foi extremamente satisfatório. O filme consegue balancear entre um tom de esperança, melancolia e tristeza que, junto ao excelente trabalho dos atores, consegue passar muito bem a sensação de como é trabalhar com crianças à beira da morte. Os conflitos internos que o roteiro oferece a Mali são muito bem explorados com a fotografia fria e minimalista, que foca nas expressões dos atores e busca ao máximo captar as emoções transmitidas por eles. O filme também possui uma trilha sonora imersiva, que auxilia no sentimento de angústia esperançosa que o filme passa.

Apesar do filme ser passar em Cuba, o roteiro, fotografia e trilha sonora não transmitem o mesmo. O calor latino e sua atmosfera contagiante pouco se fazem presente no longa, salve o início do mesmo, no qual mostra o povo alegre celebrando Fidel Castro. As consequências da queda da USSR em Cuba também são muito bem explorados, e poderiam ter sido usadas como um ponto de fuga para brincar um pouco mais com uma fotografia mais quente e uma trilha sonora mais agitada e dinâmica. como por exemplo, a cena na qual Malin está em uma fila gigantesca em um posto de gasolina em meio a uma confusão.

Depois dos créditos

Para os amantes de um bom drama alternativo que foge das propostas de Hollywood. “O Tradutor” é um ótimo trabalho iniciante com diretores que certamente irão longe se continuarem no caminho que estão trilhando. Mas, não se engane. Se você busca um final feliz, irá sair frustrado neste longa, pois sua proposta realista e tocante representa muito bem o quão duro a vida pode te atingir, e sair chorando da sessão é quase certo. Um ótimo filme para refletir sobre as adversidades da vida e como contorná-las da melhor forma possível, ainda que estas tenham consequências duras e severas.

8

NOTA

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